BIOGRAFIAS – Filmes descartáveis

Sendo uma pessoa profundamente apaixonada por histórias da vida real, vejo e revejo filmes biográficos. Em todos, faço a mesma pergunta: como o roteirista sabia dessas coisas? Claro que grande parte do que se passa na tela é pura imaginação, ou conclusão de quem escreveu a história.

Sigamos por partes. As minisséries sobre os Kennedy, por exemplo. Em algumas, Jack e Jackie aparecem como um casal apaixonado. Eu, você e o mundo inteiro sabemos que ele a traía o tempo todo. A atriz Natalie Wood, cuja morte nunca foi bem explicada. Já vi filme em que ela e o marido, Richard Wagner passavam por um período de grande paixão no casamento. Em outro, eles tiveram uma briga horrível na noite em que ela morreu.

Aprecio muito os filmes históricos, que entram aí nessa categoria de biografias. Ike, o Dia D, conta o planejamento da invasão da Normandia pelos aliados. Segredos militares. Não há como saber se o filme apresenta a verdade. Caso seja, houve vazamento de informações confidenciais. Pode isso, Snowden? Há vários que tratam da atuação de Churchill nessa mesma época, e apresentam discrepâncias enormes.

A Dama de Ferro. Merryl Streep é sempre perfeita, claro. Deixando de lado esse fato, a história contada no filme não combina de jeito nenhum com uma minissérie feita pela BBC sobre a vida de Margaret Thatcher.

Warm Springs é um de meus prediletos. Franklin Roosevelt, o presidente dos Estados Unidos, vai para uma estação de águas tentar reverter as sequelas da pólio. Não obtém sucesso, contudo cria uma clínica de tratamento que obteve bons resultados para muitas pessoas. Será verdade?

O melhor desses filmes, para mim, é A Rainha. Conta a história da Rainha Elizabeth II e sua família nos dias que se seguiram à morte da princesa Diana. Vários fatos são conhecidos pelo público e, claro, verdadeiros. E os diálogos travados entre a rainha e seu marido, dentro do quarto deles, ou as conversas dela com a mãe, no jardim, isoladas de todos. Quem ouviu? Quem sabe o que falaram? Qual foi a reação do Príncipe Charles à morte da ex-esposa? Quem viu, além de seus assessores mais chegados, e de maior confiança? E uma conversa que ele tem com a rainha, os dois sozinhos em um carro, em que tece grandes elogios a Diana como mãe, quem gravou? Ah, já sei: os cachorros que estavam no banco de trás contaram tudo. E está tudo lá no filme. Apesar da descartabilidade da película, é questão de justiça elogiar a interpretação de Helen Mirren. Gente, a mulher fica a cara da Rainha. Impressionante. Tanto o trabalho da equipe de maquiagem quanto a atuação da atriz. Vale a pena desperdiçar um pouco de seu tempo e assistir.

Mais recentemente, foi lançado outro filme descartável envolvendo as mesmas pessoas: Diana. Naomi Watts que me perdoe, mas não chega aos pés de Helen Mirren. Não convence como Diana. Nem o cabelo eles conseguiram fazer igual! Aqui, falando sério, acho que não vale a pena desperdiçar o tempo. A não ser que você esteja fazendo outra coisa e o filme fique como pano de fundo. De vez em quando você dá uma olhadinha. Garanto que vai entender tudo.

Cito esse filme porque, se um é verdadeiro, o outro é mentiroso. Há fatos opostos neles. Ou aconteceu uma coisa, ou aconteceu outra, não dá para terem acontecido as duas.

Concluo: assisto todos os filmes biográficos que me apetecer, mas não acredito em nenhum deles como verdade completa. Eles são totalmente descartáveis, por isso são divertidos.

Ah, e uso A Rainha para embalar meu sono. Deixo gravado e, sempre que quero tirar uma sonequinha, começo a assistir. Tiro e queda. Levo no máximo 10 minutos para estar em um sono profundo. Extremamente útil. Pode testar. Dá certo.

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A PISCINA DO PASTOR ANTÔNIO

Pastor que tem piscina? Posso até visualizar narizes torcidos, julgamento precipitado. Não, não se trata de um daqueles pastores que recolhem sacos de dinheiro e compram jatinhos e outras “coisitas” mais. Nem daqueles que chutam santa ou esbravejam ameaçando todo mundo com o fogo do inferno. Ele é pastor de verdade, na essência do significado da palavra que, infelizmente, poucos entendem hoje.

Conheci-o há muitos anos. Era solteiro, surfista, jovem amigo de meu irmão que também era jovem. Ouvia-se falar que pastor Antônio ia surgir na área e as garotas entravam em ebulição. Excluo-me da ebulição, não que não o achasse muito bonito: eu já era casada. Mal sabiam as ebulidoras que não tinham a menor chance. Ele já era noivo, apaixonado pela que, hoje, é sua esposa e mãe de seus três filhos.

Antônio Carlos sempre foi movido por paixão. Sua fala, pessoalmente ou do púlpito das igrejas, é intensa e tocante. Penso, porém, que só os que desfrutam de uma convivência mais próxima conhecem seu profundo senso de humor. Não posso dizer que somos amigos muito próximos, contudo meus pais o hospedaram muitas vezes e sempre há muita risada e diversão por causa das tiradas cômicas e irônicas do pastor Antônio.

O jovem surfista virou ativista político movido por amor fervente ao próximo – aliás, a marca do pastor de verdade. A injustiça o abala. De seu trabalho resultou a ONG Rio de Paz, hoje conhecida por todo o território nacional, tanto pelas manifestações pacíficas e criativas quanto pela atuação nas comunidades carentes, com o objetivo de resgatar os que estão perdidos, sem rumo e sem esperança na vida. Passou a dar voz aos que não têm voz. Tanto protesta contra a morte do cidadão abatido pela polícia quanto abomina o assassinato de um policial pelos bandidos.

Nos últimos dias, seu bordão é: Votar Mal, Mata. Tem percorrido o país, sem declarar em quem vai votar, insistindo com as pessoas para pensarem bem antes de escolher seus candidatos.

As manifestações da Rio da Paz são notórias: cruzes na areia de Copacabana, vassouras para varrer a corrupção do Congresso Nacional, homens de máscara simbolizando o poder escondido por trás do poder, bolas com cruzes vermelhas pintadas para saber quem lucraria com a Copa e várias outras.

De todas as lutas, talvez a mais comovente tenha sido o esforço infrutífero de encontrar com vida o pedreiro Amarildo. “Onde está Amarildo?” era o bordão espalhado pelas redes sociais e pela imprensa, repetido em todo o país.

Pastor Antônio continua pastor. Não entende como dissociar sua atuação política de sua fé. Prega a Bíblia e também faz palestras sobre atuação política. Vai de uma a outra sem qualquer dificuldade. E continua engraçado. Muito engraçado. Em sua página do Facebook, no meio de fotos de manifestações e protestos, de vez em quando aparece uma tirada que me leva a rir de verdade.

Ontem foi assim. Pastor Antônio e sua esposa tinham dois filhos. Deus os abençoou com a chegada de uma garotinha temporona, alegria da família. Ele postou uma foto dela brincando super alegre em uma piscininha de plástico, e escreveu, usando o jargão dos pseudocristãos que enganam tantos por aí: “Fui na reunião da prosperidade total, declarei a vitória, e agora Alyssa pode dizer que mora numa casa com piscina. O inimigo está furioso!”.

Dei gargalhadas na frente do computador. Depois, pensei em como admiro o pastor Antônio.

Como ele consegue manter a capacidade de enxergar tal ironia, quando convive todos os dias com coisas que, segundo ele mesmo, nem pode contar? Onde encontra a fonte de alegria que permite a ele conservar a ternura e reservar tempo para curtir seus momentos em família, para tirar foto da filha se esbaldando na piscina de plástico? Como é capaz de fazer pausas para brincar com uma criança, contemplar a beleza do Rio de Janeiro, desfrutar da praia com seus amados, depois de visitar os intestinos da sociedade? De onde retira o equilíbrio para estudar, pensar, analisar, enfim, usar o intelecto?

A resposta está em outra foto que ele postou de sua garotinha. Ela está sorrindo em primeiro plano, mas dá para ver a sala, uma mesa repleta de livros, papéis, computador e tudo mais que se usa, com a legenda: “Veja quem chegou no local onde papai ora, escreve, lê, medita… Ao fundo, minhas principais armas!” [as armas são Bíblias].

É, admiro pra caramba o surfista pastor Antônio. Oro para que ele continue surfando em todas as camadas de nossa sociedade por muitos anos ainda. E que me leve a dar muitas gargalhadas, quem sabe, em tempos melhores para nosso país.