VIÚVA??????

Tenho muito primos. Muitas primas. Meu pai tinha 10 irmãos, e cada um teve vários filhos. Família italiana, que gosta de se reunir e fazer bagunça.

Por parte de minha mãe não são  tantos. Somos 11. Como em geral acontece, nesse ramo da família acabamos mais unidos com os filhos da irmã da minha mãe, tia Célia. Somos 9. Dois homens e sete mulheres. Solange, Waldo, esta que vos escreve, Henrique, Lílian, Emília, Cristina, Suzana e Clarice. Nós, os 6 primeiros, temos idade bem próxima.

Vivíamos o ano todo programando as férias, já que eles moravam em São Paulo e nós em Brasília. Naqueles bons tempos, as aulas terminavam no final de novembro e só voltavam em março. Passávamos esses 3 meses juntos. Sem qualquer compromisso oficial. Era só diversão. Férias de verdade. Além disso, tinha julho, o mês inteiro. Mais 30 dias de viagens de um lado para o outro. Eram muitas aventuras.

Em geral, Henrique e Waldo partiam para um lado e nós, as garotas, fazíamos nossos programas. Gostávamos mesmo de ir da casa de umas para a das outras. Mamãe dizia que era uma dificuldade orar por todos nós, porque tinha que ficar se lembrando de onde estava cada um.

No início da minha vida, minha companheira constante era a Solange, mas, acerta altura, os poucos anos que me separavam dela causou um impacto. Ela já trabalhava, estava na faculdade, e eu e Lílian só na farra. Nessa época, as noites eram reservadas para conversas. Eu ficava cada noite com uma das primas. Depois, dormia de dia. Era uma delícia. Íamos de conversas sérias a brincadeiras num piscar de olhos. Fritávamos pastel às 3h da madrugada. Não sei como nossas mães não tiveram um break-down.

Sô continuou sendo meu par, mas a Li chegou para aprontarmos. Ela teve uma fase hippie que foi o máximo. Usava tudo isto aí:

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As pulseiras eram o charme maior. Até quase o cotovelo! Cabelão, uma faixa tipo aquelas que o Guga usa para prender o cabelo nos jogos. Calça boca de sino, desbotada e, de preferência meio suja.

Nós duas aprontávamos bastante. Nada sério para os padrões atuais, mas grandes rebeldias dentro de nossa família. Um exemplo. Para irmos à praia em janeiro, nossos pais recorriam à ajuda de parentes para nos hospedarem. Então, fomos várias vezes para a Barra do Itapemirim, no Espírito Santo. Nossos tios-avós paternos tinham lá uma casa imensa, com lugar para nós e mais toda a torcida do Flamengo. Então, aportávamos e lá ficávamos dias e dias. A maior diversão era ir à pracinha à noite. Tínhamos horário marcado para voltar para casa. Eu e a Lílian voltávamos, esperávamos todo mundo ir se deitar e… pulávamos a janela para voltar à pracinha e encontrar meu paquera, um cara chamado Adalto, que era caixa do supermercado. Não sei como ela conseguiu uma foto 3×4 dele que guardei muito tempo com grande paixão. Estou aqui digitando e rindo, além de pensar que fim terá legado o Adalto.

Não vou entrar em detalhes, mas uma das pessoas que dormiam no quarto conosco (eu e a Lílian dormíamos na mesma cama) implicou com a gente. O que fizemos? Criamos um boato de que a pessoa em questão só fazia xixi e cocô em um penico que guardava embaixo da cama e escondia de todo mundo de manhã. Imagina a garotada tentando encontrar o penico!

Nossas paqueras continuavam em São Paulo. Contei essa história há algum tempo, no post Não dá pra piorar.. Garanto que você vai rir lendo mais essa aventura nossa.

O tempo foi passando, fomos amadurecendo um pouco. De repente, chegou à Igreja Presbiteriana de Vila Mariana um pastor novo, Rev. Calvino. Tinha quatro FILHOS e uma filha. Um dos filhos era jogador de futebol, o José Eduardo. Jogava no Corínthians. Você precisa ter feito parte de uma comunidade protestante para entender o reboliço que a chegada dos rapazes causou entre as meninas. Que os irmãos do Zé me perdoem, mas ele era o rei da cocada preta.

O cara era lindo. De verdade. Como vibramos com as idas e vindas, com o que pensávamos que era sinal de interesse dele pela Lílian. Como sofremos quando ele parecia não ligar para ela. Aquelas coisas deliciosas de paquera. Logo minha priminha conquistou o cara. Ou será que ele a conquistou? O fato é que namoraram, noivaram e se casaram.

Tiveram bons momentos, horas difíceis, lutas e alegrias, como todo mundo. Os dois se tornaram exemplo de marido e esposa, pai e mãe, cristãos consagrados a Deus. Três filhos maravilhosos: Eduardo, Gustavo e Maurício.

A vida seguia em paz, até que… a doença chegou. O Zé, tão forte, atleta de ponta, ficou fraco. Lutou durante dois anos, venceu. Teve cinco anos de alívio, até que lutou mais dois anos e… foi para o Céu. Agora minha priminha ficou VIÚVA!

Como pode? Onde está a lógica? Eu não posso fazer nada para ajudar, para resolver o problema dela, para amenizar a dor! Como, depois de tantos anos, pensar em Lílian sem Zé?

Eu não conheço outra viúva da idade dela. Viúvas são minha mãe e várias das amigas dela, não a minha prima, minha colega de farra, de risadas, de brincadeiras inconsequentes (que continuaram mesmo depois que viramos adultas).

Creio firmemente na existência de um Deus Todo-Poderoso, que é amor. A Bíblia diz: Deus é amor. Como encaixar isso com o fato de que ele permite tanto sofrimento? Não só a morte, mas tudo que aconteceu antes dela, todo o vazio que o Zé deixou.

Não dá para entender. Dá para chorar, lamentar, sofrer e aceitar que Deus é amor, apesar de, muitas vezes, as circunstâncias apontarem em outro sentido.

Sendo muito sincera, porém, afirmo que minha priminha ser viúva é um fato que me deixa perplexa. Um dia, quando estivermos todas no Céu, voltaremos a sorrir como nas fotos abaixo. Enquanto estivermos aqui, não vai ser a mesma coisa nunca mais. Se uma sofre, todas sofremos…

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Faltam Cristina e Solange

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MEU BILHETE

Tenho escrito pouco, muito pouco. Não sinto vontade de escrever quando a depressão está judiando de mim, como tem acontecido no último mês. Por isso, fiquei devendo um bilhete à minha cunhada Renata. Está na minha cabeça há quase um mês, já que o aniversário dela foi no dia 19.4. Hoje vou pagar minha dívida.

Vou pagar a do bilhete, porque tenho muitas outras com ela. Por essas, vou agradecer.

Muito obrigada, Renata, pela sua empatia comigo. Você é das poucas pessoas que escuta com atenção quando abro meu coração e falo sobre minhas dores. Nunca, em todos esses anos, você me disse o que eu deveria fazer para melhorar. Você sabe que eu sei o que tenho que fazer, e que não tenho forças para agir. Você sofre comigo, entende minha dificuldade e tem sempre um gesto de carinho.

Muito obrigada pelas vezes em que você me leva para sua casa para eu me distrair. Inesquecível foi o dia em que você foi lá no Guará me buscar, passamos no mercado, você comprou umas coisas para fazermos nosso almoço. Fomos para sua casa e ficamos na cozinha o dia todo, comendo, saboreando um espumante, rindo, espairecendo. Um dia inesquecível. E ainda por cima assumiu minha tarefa de fazer o tender para a Ceia de Natal. E você não estava bem de saúde.

Sou grata pela família que você trouxe para nós. Não me refiro apenas às minhas afilhadas, estou falando de seus pais, seus irmãos, cunhados, sobrinhos. Também suas tias, tios e primos que sempre demonstram um carinho enorme por mim. Um dos melhores finais de tarde que já tive foi aí, na sua varanda, quando Rafa e Adriana estavam aqui. Um frio congelante. Seu pai se enrolou na rede e ficou fazendo as piadas dele, só com o rosto de fora, sempre implicando comigo e me fazendo rir. Henrique buscou 1.357 edredons e todos nos enrolamos. Ali ficamos, conversando, rindo e apreciando o sol se pôr, com o Breno correndo e aprontando no meio do grupo. Guardo esse dia no meu coração com muito carinho. Muito obrigada.

Agradeço por você ter assumido a Ceia de Natal, criado uma nova tradição em lugar da anterior, que seria muito triste manter sem o papai.

Muito obrigada por sempre se oferecer para me ajudar. O ponto máximo foi o dia em que papai foi internado para a penúltima cirurgia. Você viu que eu desabei. Não tinha a menor condição de acompanhar a internação. E me disse:

– Vai para casa, toma um remédio forte para dormir. Eu vou fazer tudo que você faria.

E assim foi. Acompanhou tudo, como eu faria.

Muito obrigada por ter obrigado o homem a rearrumar as flores. Não vou explicar, você sabe o que quero dizer. Muito obrigada por tudo que você fez naquele dia, desde nos consolar até organizar o programa do culto.

Muito obrigada por nossas risadas, pelas coisas divertidas que falamos, que não podem ser publicadas aos quatro ventos. Muito obrigada por fazer meu irmão feliz.

Enfim, meu bilhetinho é para agradecer a você por ser você, por se doar por mim, por dedicar tempo e amor a cuidar de mim e dos meus amados.

Que nosso Deus de amor te recompense por cada ato de bondade, por cada atitude de apoio, por cada momento de diversão e alívio.

Beijos.