CLAUDIA E PONTO FINAL

Quem me acompanha neste blog já deve estar cansado de ler sobre minha comunidade de fé, a IMAS, Igreja Metodista da Asa Sul. O fato é que as pessoas que, como eu, chegaram a Brasília na década de 60 e até início de 70, fizeram da nossa igreja uma parte da família. Os membros da comunidade encontraram ali consolo por terem deixado pais, irmãos, sobrinhos, primos, tios, etc., em cidades distantes. Acabamos formando um tipo de família extensa, que só quem faz parte dela entende.

Eu tinha 5 anos na época, então não sei narrar os fatos com precisão. Na minha memória, no entanto, desde que chegamos havia um casal mais idoso, com duas filhas já adultas. Seu Olintho, dona Bernadette e as filhas Antônia (casada com seu Ary), e Judith.

Sem que eu precisasse de qualquer explicação, achei ótimo quando chegaram aqui um monte de netos do casal. Bernadette, a mais velha, logo se tornou minha amiga. Atravessamos juntas infância, adolescência, juventude, a vida adulta e agora somos vovozinhas, até hoje juntas, vivendo alegrias e tristezas uma da outra. Sempre grandes amigas. Sabe aquela pessoa que te conhece tanto que você não precisa explicar? Pois é, somos assim.

Voltando no tempo, o que me causou grande alegria quase foi uma tragédia. A mãe daquela criançada toda tinha sido atropelada! Quando se recuperou, em vez de levar as crianças de volta para Belo Horizonte, dona Ábia (a mãe da criançada) decidiu vir com o marido, o seu Balmes, para Brasília. Que decisão que me abençoou!

Eu frequentava a casa deles, assim como a Bette frequentava a minha. Na adolescência Bernadette virou Bette para os amigos. Em família, é Dette. Há pouco tempo ela revelou que não gosta de Bette, mas o apelido que me é tão caro ao coração sai da minha boca antes que eu perceba.

Nessa fase adolescente, os amigos têm que ter a idade próxima. A irmã da Bette, a Bia, era considerada pirralha por nós, não fazia os mesmos programas, era de outra “turma”. Felizmente a gente cresce. E Bia se tornou outra de minhas grandes amigas, do fundo do coração.

O tempo passou. Meu amor por dona Ábia crescia cada vez mais. Era como se eu tivesse mais uma tia. Eu cresci, virei adulta, e passamos a ter conversas mais profundas. Ela se tornou minha intercessora. Sempre que eu tinha um problema, contava para ela, pedia oração e tinha certeza absoluta de que ela seria fiel na oração. A resposta aos meus pedidos era sempre a mesma:

– Fica tranquila, eu e Chinica vamos orar. (Chinica era a dona Antônia, que eu citei lá em cima.)

Trocamos confidências. Ela me deixou exemplos e lições de vida inesquecíveis.

Infelizmente, chega uma hora em que todos partem deste mundo. A partida dela doeu fundo em meu coração. Até hoje sinto saudade dela. Muita. Além de perder uma pessoa que amava demais, fiquei sem minha intercessora fiel.

Logo depois que ela foi para a casa do Pai (como ela dizia), falei para a Bia que gostaria de ter alguma coisa dela. Um livro, ou um objeto. Não roupa, alguma coisa de que ela gostasse e que nenhum dos filhos quisesse.

Pouco tempo depois, Bia me entregou um tesouro. Durante muitos anos, dona Ábia lia diariamente um livro de meditações chamado Mananciais do Deserto. Ela fez daquele livro um tipo de diário. Anotava fatos importantes, no primeiro dia do ano escrevia na primeira página onde estavam os filhos, o que estavam fazendo, as necessidades especiais do ano que começava e gratidão pelo ano que terminava. Bia fez cópias para cada irmão e… para MIM! Na capa, além da capa do livro, uma linda foto da dona Ábia. Chorei, e quase choro de novo enquanto escrevo.

Li esporadicamente no início. Doía muito ver o sorriso dela ali na capa, sabendo que agora só vou ver esse sorriso na “casa do Pai”. No início deste ano, decidi ler diariamente. Que delícia ver os comentários com a letrinha linda dela!

Reparei logo que ela anotava os aniversários sempre indicando quem era a pessoa. Por exemplo: Marcos (da Cristina e do Joel), Fulano da Sicrana, Fulana do STF, Outro da Igreja. Alguns ela colocava nome e sobrenome. Claro que os filhos, os parentes, os que eram especiais para ela não precisavam de explicação. Colocava o primeiro nome e pronto.

No sábado cheguei ao meu aniversário… Lá está: “Aniversário da Cláudia” e ponto final. Fiquei parada, olhando aquilo. Mais uma vez as lágrimas me vêm aos olhos. Ela não precisava colocar meu sobrenome, nem qualquer explicação para saber de que Cláudia se tratava. Nem sei explicar o quanto me senti importante, amada, valorizada por aquele ponto final.

Muito obrigada, dona Ábia, nunca ninguém soube amar como a senhora! Quanta saudade, que aumenta à medida que o tempo passa…

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O ÚLTIMO DOS MOICANOS

Havia uma tribo de moicanos com 6 membros. Homens fortes, lindos, charmosos, engraçados, educados, cavalheiros. Tinha um que era a cara do Clark Glable. Para quem nasceu depois de 1970, eu o apresento:

clark-gable

Lindo, não é? Pois os moicanos também.

Era uma tribo semi-nômade. Cada um dos moicanos nasceu em um lugar diferente. Eram todos irmãos, e tinham 5 irmãs moicanas. Também bonitas, fortes, charmosas, etc. Os moicanos pais eram descendentes de moicanos italianos, então eram todos muito barulhentos.

Toda vez que a tribo precisava se mudar, havia comoção entre os novos vizinhos, por causa da presença de tantas moicanas e moicanos em idade de se casar. E eles se casaram.

Um dos moicanos nasceu mais fraquinho. Bem pequeno, teve uma pneumonia grave e também sarampo. Como complicação o coitadinho perdeu a audição de um dos ouvidos. Quase morreu. Algum tempo depois, a família teve peixe como alimento. Uma das moicanas da cozinha separou as partes mais macias do peixe para dar para os moicanos mais novos. Aquelas partes macias estavam estragadas e os dois ficaram doentes a valer. Mais uma vez o moicano fraquinho chegou perto da morte.

Ah, mas a moicana-mãe era incansável e cuidou tão bem do moicano fraquinho que ele também virou moicano forte, bonito, etc. Ele se casou com uma moicana linda, e tiveram quatro moicaninhos fortes, bonitos, etc.

O moicano seguiu pela vida tendo alguns problemas de saúde. Lembro-me bem de um episódio de crise nos rins que levou meu calmo moicano-pai a brigar feio com um médico para salvar a vida do meu moicano-tio.

Mais tarde vieram mais problemas. Desmaios, internações, momentos em que achávamos que a vida do moicano Fracoforte (esse é o nome dele, mas o apelido é Bide) chegara ao fim.

O tempo passou e um por um, todos os outros moicanos foram partindo para o Céu. As moicanas também. Permaneceram aqui apenas Fracoforte e sua esposa Fortíssima. Há alguns dias médicos declararam (pela milésima vez) que não havia mais nada a fazer. Comoção na família toda, pela milésima vez. Claro que ninguém quer que o último dos moicanos vá embora.

A história é sempre a mesma. Ele passa mal, vai ao hospital, moicano Cláudio avisa que é muito grave. Daí a uns dias ele volta e avisa que Fracoforte está voltando para casa.

Outro dia foi terrível. Ele não conseguia dormir e estava delirando. Internado, junto com a esposa. A médica deu a ele um sedativo leve para ele descansar. Dormiu e… ninguém conseguia acordá-lo. A médica falou para moicano Cláudio que não tinha mais o que fazer, que ia dar uma sedação profunda para ele não sofrer. Cláudio foi para o hospital acompanhar o momento, chegou ao lado do último dos moicanos e falou, no ouvido que ouve, claro:

– Oi, pai, sou eu.

Fracoforte abriu os olhos na maior naturalidade e falou:

– Oi, filho, tudo bem?

Em seguida, quis fazer ligação de vídeo para todos os filhos e netos, perguntou se o Atlético tinha jogado, se tinha ganhado. Reviveu, como tantas outras vezes, para nossa alegria.

Serginho também fez uma ligação de vídeo para lá (o último moicano mora em Londrina) para ele e tia Sarah conhecerem a Cecília. Tio Bide disse que vai sarar logo porque quer vir aqui conhecer a sobrinha bisneta. O que eu falei? Que não duvido de mais nada. Ele é o Highlander, a Fênix, ou qualquer ser que se recusa a deixar este mundo.

Graças a Deus. Ele e tia Sarah são a ligação que temos com um tempo muito bom, quando todos os moicanos e moicanas estavam vivos e nos reuníamos nos sábados à noite na casa da tia Minóicana.

Aqui em casa fazemos uma pergunta que deve nos levar a pensar muito:

– Que tipo de mundo vamos deixar para o tio Bide?

Pense você também, a responsabilidade é grande.

Meus bipadrinhos (de batismo e de casamento, porque eu fiz questão de repetir, eles exercem muito bem a função), amo vocês demais! Força aí, porque vocês são importantes demais para nós e queremos que vocês venham conhecer a Cecília.