O ÚLTIMO DOS MOICANOS

Havia uma tribo de moicanos com 6 membros. Homens fortes, lindos, charmosos, engraçados, educados, cavalheiros. Tinha um que era a cara do Clark Glable. Para quem nasceu depois de 1970, eu o apresento:

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Lindo, não é? Pois os moicanos também.

Era uma tribo semi-nômade. Cada um dos moicanos nasceu em um lugar diferente. Eram todos irmãos, e tinham 5 irmãs moicanas. Também bonitas, fortes, charmosas, etc. Os moicanos pais eram descendentes de moicanos italianos, então eram todos muito barulhentos.

Toda vez que a tribo precisava se mudar, havia comoção entre os novos vizinhos, por causa da presença de tantas moicanas e moicanos em idade de se casar. E eles se casaram.

Um dos moicanos nasceu mais fraquinho. Bem pequeno, teve uma pneumonia grave e também sarampo. Como complicação o coitadinho perdeu a audição de um dos ouvidos. Quase morreu. Algum tempo depois, a família teve peixe como alimento. Uma das moicanas da cozinha separou as partes mais macias do peixe para dar para os moicanos mais novos. Aquelas partes macias estavam estragadas e os dois ficaram doentes a valer. Mais uma vez o moicano fraquinho chegou perto da morte.

Ah, mas a moicana-mãe era incansável e cuidou tão bem do moicano fraquinho que ele também virou moicano forte, bonito, etc. Ele se casou com uma moicana linda, e tiveram quatro moicaninhos fortes, bonitos, etc.

O moicano seguiu pela vida tendo alguns problemas de saúde. Lembro-me bem de um episódio de crise nos rins que levou meu calmo moicano-pai a brigar feio com um médico para salvar a vida do meu moicano-tio.

Mais tarde vieram mais problemas. Desmaios, internações, momentos em que achávamos que a vida do moicano Fracoforte (esse é o nome dele, mas o apelido é Bide) chegara ao fim.

O tempo passou e um por um, todos os outros moicanos foram partindo para o Céu. As moicanas também. Permaneceram aqui apenas Fracoforte e sua esposa Fortíssima. Há alguns dias médicos declararam (pela milésima vez) que não havia mais nada a fazer. Comoção na família toda, pela milésima vez. Claro que ninguém quer que o último dos moicanos vá embora.

A história é sempre a mesma. Ele passa mal, vai ao hospital, moicano Cláudio avisa que é muito grave. Daí a uns dias ele volta e avisa que Fracoforte está voltando para casa.

Outro dia foi terrível. Ele não conseguia dormir e estava delirando. Internado, junto com a esposa. A médica deu a ele um sedativo leve para ele descansar. Dormiu e… ninguém conseguia acordá-lo. A médica falou para moicano Cláudio que não tinha mais o que fazer, que ia dar uma sedação profunda para ele não sofrer. Cláudio foi para o hospital acompanhar o momento, chegou ao lado do último dos moicanos e falou, no ouvido que ouve, claro:

– Oi, pai, sou eu.

Fracoforte abriu os olhos na maior naturalidade e falou:

– Oi, filho, tudo bem?

Em seguida, quis fazer ligação de vídeo para todos os filhos e netos, perguntou se o Atlético tinha jogado, se tinha ganhado. Reviveu, como tantas outras vezes, para nossa alegria.

Serginho também fez uma ligação de vídeo para lá (o último moicano mora em Londrina) para ele e tia Sarah conhecerem a Cecília. Tio Bide disse que vai sarar logo porque quer vir aqui conhecer a sobrinha bisneta. O que eu falei? Que não duvido de mais nada. Ele é o Highlander, a Fênix, ou qualquer ser que se recusa a deixar este mundo.

Graças a Deus. Ele e tia Sarah são a ligação que temos com um tempo muito bom, quando todos os moicanos e moicanas estavam vivos e nos reuníamos nos sábados à noite na casa da tia Minóicana.

Aqui em casa fazemos uma pergunta que deve nos levar a pensar muito:

– Que tipo de mundo vamos deixar para o tio Bide?

Pense você também, a responsabilidade é grande.

Meus bipadrinhos (de batismo e de casamento, porque eu fiz questão de repetir, eles exercem muito bem a função), amo vocês demais! Força aí, porque vocês são importantes demais para nós e queremos que vocês venham conhecer a Cecília.

 

 

 

VICTOR, O VITORIOSO

Victor, 27 anos. Eu o conheci na barriga da mãe dele, Keyla. Demorou alguns meses para nos conhecermos pessoalmente.

A mãe de Victor, Keyla, faz parte de uma família que amo profundamente. Seu Oseias, o pai dela, tinha voz linda. Muito amigo de meu pai, os dois viajavam por este Brasil juntos, espalhando a mensagem do amor de Deus. Papai pregava e seu Oseias cantava.

A esposa dele, dona Eunice, é um doce de pessoa. Penso que ninguém que a conhece deixa de amar e admirar seu jeito suave de ser. Além disso, é dedicada a Deus e à família como poucas.

Seu Oseias e família chegaram a Brasília há muitos anos, nem sei quantos. Os três filhos – Jezreel, Keyla e Ézer – aos poucos foram se enturmando na igreja. Jezreel me contou que não foi fácil, mas acabou acontecendo e a amizade cresceu e floresceu.

Para tristeza de muitos, eles se mudaram para Anápolis e, quando voltaram para Brasília, foram morar em Taguatinga, de modo que passaram a frequentar a Igreja Metodista de lá. Só ficou conosco o já dr. Jezreel, pediatra, que é chamado de Jez, ou de Dotô.

A Igreja Metodista tem uma tradição muito interessante: eventos que reúnem todas as igrejas de uma região. Em nosso caso, do Distrito Federal. Assim, os metodistas acabam se esbarrando muitas vezes no decorrer da vida. Foi assim comigo e com dona Eunice e Keyla.

Voltemos 27 anos no tempo. Quando peguei o bebê Victor no colo, ele abria e fechava a boquinha, como se fosse cantar. Eu, brincando com ele, falei:

– Eu quero cantar igual ao meu vovô. Vou ter uma voz linda.

Disse isso com dor no coração, porque seu Oseias tinha falecido pouco tempo antes. Mas sonhei que Victor um dia cantaria como o avô dele.

Ele foi crescendo, sempre um menino, depois adolescente e depois homem, muito alegre. Todas as vezes que o vi ele estava cercado de pessoas, sempre no meio da bagunça. Muito animado, brincalhão

Segundo o tio Jez, o maior prazer da vida dele sempre foi ir à igreja. Quando Keyla não queria ir ele ficava meio bravo.

O exemplo de alegria dele influenciou profundamente minha vida.

Acompanhei de longe esse crescimento, observando como ele era feliz e como se dedicavam a ele a Keyla e a dona Eunice. Toda a família, na verdade. Quando ele adoecia era todo mundo mobilizado, uns para orar por eles e a família para cuidar. Ainda de longe, eu observava e admirava.

Igor, filho do Jez e da Célia, é missionário, mora no Havaí. Esteve em Brasília no final do ano passado. Victor fez a mãe levá-lo ao aeroporto às 23h para o Igor orar por ele antes de ir embora.

É, o homem de 27 anos precisava que a mãe o levasse. É incrível ver quantas vidas o Igor tocou profundamente, porque ele viveu todos os seus anos preso em uma cadeira de rodas. Não andava, não controlava as mãos, não sustentava o pescoço, não falava como nós falamos. Tinha o jeito dele de se comunicar. Keyla foi, durante todos esses anos, um exemplo de dedicação, amor, perseverança e paciência.

Anteontem, para tristeza de nós que aqui ficamos, Victor foi se encontrar com Jesus. Hoje ele anda, fala e faz tudo mais que um ser humano pode fazer.

Na hora em que fiquei sabendo da morte dele, lembrei-me do que falei quando o peguei no colo. Hoje ele canta não só como, mas com o avô. E aposto que meu pai está apreciando.

Família do seu Oseias e da dona Eunice, oro para que Deus os console de forma milagrosa. Jamais esquecerei o exemplo de dedicação que vocês deram durante esses 27 anos.

Amo vocês, simples assim.