De onde estava, atrás dos arbustos, eu via apenas uma porção pequena da ilha. Fitei o casal de gansos que parecia conversar com o caçador à frente deles. O homem estava de chapéu, vestia uma camisa quadriculada e carregava uma espingarda. O terreno onde os três conversavam era arenoso e plano. Logo adiante, uma rocha lisa fazia um declive acentuado até alcançar o mar. Lá, sozinho, outro ganso contemplava, pensativo, a cidade de São Francisco.
Numa situação possível apenas nos sonhos, eu observava e, ao mesmo tempo, era a gansa. O ganso era o Sérgio. Vivíamos tranquilos em Alcatraz, o caçador era bondoso conosco. Mas queríamos ir embora por dois motivos.
Primeiro, o caçador nos treinara para buscarmos para ele as aves que abatia. Sentíamos muita aversão pelo sangue e a carne no bico. Afinal, éramos aves, não animais carnívoros. Não sei por que nunca nos ocorreu fugir da ilha. Suportávamos a provação em troca dos confortos que o caçador nos fornecia: comida e abrigo. Mas não éramos totalmente felizes.
O outro motivo de inquietação era muito mais sério. Sabíamos que um dia apareceria outro caçador, muito perverso, que viria com o objetivo único de nos matar.
De novo, como só é possível nos sonhos, num instante a Cláudia observadora desapareceu e passei a ser apenas a gansa. E não estávamos mais no terreno arenoso, agora estávamos em frente ao prédio rosado da prisão de Alcatraz e sabíamos que o matador estava escondido na parte lateral do prédio.
Fui tomada de pavor. O dia tão temido chegara – o matador estava em nossa ilha. Sérgio foi logo dizendo que teríamos que voar. Ficamos os dois apreensivos, já que o preparo físico nunca fora meu ponto forte. Contudo, era nossa única chance. Sabíamos que o matador ainda não nos vira, embora eu o tivesse visto muito bem.
Sem pensar duas vezes, alçamos voo. Foi sair do chão e ele nos avistou. Começou a atirar em nós, mas não acertava. Eu estava exausta, mas, assim mesmo, consegui reparar na beleza do céu totalmente azul.
Sérgio insistia para eu voar mais rápido e eu, a todo minuto, perguntava se já tínhamos saído do alcance do matador. Ele se mantinha calado e eu sabia que isso significava “não”. Ele é assim: só fala depois que o perigo acaba.
Que medo senti! Semelhante ao que sentia na infância quando precisava passar pelo longo corredor escuro de nosso apartamento na 308: a sensação de que, atrás de mim, vinha alguém muito perverso.
Perguntei pelo que me parecia ser a milésima vez se já estávamos a salvo e, enfim, Sérgio disse que tínhamos escapado do matador. Que alívio imenso! Voando bem devagar, praticamente planando, passamos a observar o ambiente, o céu azul sem nuvens e pensei:
– Igual ao céu da minha amada Brasília no mês de setembro.
E voamos livres, sem limites, rumo ao infinito.
Tive esse sonho há alguns anos e ele vem adquirindo significados diferentes para muitas pessoas, sempre levando esperança e ânimo, como aconteceu comigo no dia em que sonhei. Ofereço a você que me lê, quem sabe ele pode ser uma história de esperança para você também.
Maurício Zágari, autor de um blog que sigo, publicou na semana passada um texto muito interessante sobre o medo. Vale a pena ler: Não Tenha Medo do Medo.
Claudia, estou sentada, quase deitada em meu sofá aqui na sala lendo essa tão gostosa historia( história mesmo pois mesmo no sonho passou por ela). Queria um dia sonhar em estar voando; deve ser uma sensação bem gostosa. Escreva mais e me mande amoooooo!!!!!
Enviado via iPad
>
Obrigada pelo comentário tão carinhoso. Beijo.