Impossível calcular quantas vezes assisti Mary Poppins. Flávia e Daniela eram obsessivas quando o assunto era filme. Vivemos a fase do Dumbo. Ainda no tempo do vídeo-cassete, assistiam, rebobinavam e começavam a assistir de novo. Houve outros, e chegou a vez de Mary Poppins. Sei de cor as músicas e as falas do filme. Eu e Flá fomos ao show na Broadway há alguns anos. Uma noite deliciosa. Com ela lá longe, do outro lado do mundo, no Nepal, a noite toma aspectos muito especiais.
Foi com grande curiosidade que assisti Walt nos bastidores de Mary Poppins (Saving Mr. Banks). O filme mostra a dificuldade que Disney enfrentou para conseguir se relacionar com a autora da obra. A certa altura, ela declara, revoltada:
– Você está fazendo um filme sobre as crianças! Meu livro é sobre o pai delas!
Ontem à noite, voltei a assistir Mary Poppins. É, as meninas cresceram e eu continuo assistindo de vez em quando. E uma parte que nunca me chamara a atenção pulou da tela e caiu no meu colo.
Mr. Banks vive para trabalhar. Na mente dele, se a família tiver tudo que o dinheiro pode comprar o trabalho dele estará feito. Não pensa que esposa e filhos querem ter a PESSOA dele, não apenas o dinheiro que ele ganha.
Certo dia, Mary Poppins o induz a prometer levar os filhos na manhã seguinte para o trabalho com ele. No quarto, ela avisa às crianças que elas vão notar que o pai não consegue enxergar algumas coisas. Não vê, por exemplo, uma mulher com a qual cruza todos os dias, que vende migalhas para alimentar os pássaros. E Julie Andrews canta uma das músicas mais lindas do filme:
Ela fala para as crianças que o pai, coitado, não consegue enxergar os pássaros, por isso não os alimenta. Não vê a senhora que grita, vendendo por apenas dois centavos um saco com migalhas que deixará as aves mais fortes.
Tudo acontece como Mary Poppins avisara. Michael leva dois centavos para alimentar os pássaros, mas o pai o impede. Quando o menino aponta para ela, Mr. Banks leva um susto, pois nunca a tinha visto, apesar de passar ali diariamente. Dentro do banco, um dos banqueiros toma as moedas do menino para forçá-lo a fazer um depósito e começar a enriquecer. Michael, porém, quer alimentar os pássaros.
A imagem é poderosa. Os pássaros voam alto, livres. Quais são os pássaros que tenho alimentado? Ou será que estou depositando todas as moedas em um “banco” onde vão me render apenas outras moedas?
Amor, amizade, imaginação, alegria, criatividade. Apenas exemplos de pássaros que posso alimentar com muito pouco. Um sorriso, um carinho, alguns momentos de atenção, pensamento repleto de coisas boas, bons livros, papel e lápis (de escrever e de colorir), música, bons filmes… Quantas moedas tenho usado para alimentar os pássaros?
Com a experiência, Mr. Banks relembra do que tem valor real na vida e reajusta sua perspectiva. Para ele é fácil, porque o filme tem que acabar. Em apenas uma noite ele faz toda a mudança. No entanto, para mim e para você, é necessário um esforço diário para alimentar os pássaros. Basta um momento de distração e deixamos de enxergar a mulher que vende os pacotes com migalhas. E nossos pássaros morrem de fome, e, com isso, temos uma existência muito diferente daquela para a qual fomos criados.
Eu sempre alimento os pássaros. Está em minha natureza, não é difícil para mim. Todavia, sei que posso ir além. Sempre haverá mais pássaros à espera de alimento. Cabe a cada um encontrá-los e tratá-los muito bem. Nada de gaiola. Jogue as migalhas e deixe que eles se alimentem e voem livres, como os do filme.