A NUVEM

Exatos cinquenta anos de vida as separam. Descobri isso no ano em que celebramos os 50 anos da mais nova. Fui a Belo Horizonte e lá fiquei sabendo que estavam comemorando os 100 da mais velha! A caçula faz aniversário em maio, a mais velha em agosto.

No ano passado, eu, Sérgio e minha mãe fomos a BH no finalzinho de agosto. Minha prima Rosa Sandra logo contou que o domingo que passaríamos lá seria a celebração do aniversário de Primeira Igreja Presbiteriana, a segunda comunidade de fé mais importante de minha vida. Chegamos a Belo Horizonte no final da tarde e à noite fomos ao culto. Rosa Sandra canta no coral.

Esperávamos o início do culto quando vi Silvane, minha outra prima, entrando na igreja. Que encontro gostoso! Tia Minó estava sentadinha no lugar em que sempre fica. Lá ficavam também tia Augusta e vovó Rosa. Silvane sentou conosco. O programa do culto trazia o nome de todos os pastores que passaram por aquela igreja, e lá estava o do vovô: “Synval Filgueiras de Moraes”. O pastor comentou com a congregação a presença da filha e da neta dele, e eu e mamãe ficamos em pé. Que emoção!

Enquanto o culto corria, eu pensava nas muitas pessoas maravilhosas daquela comunidade que fizeram parte de minha vida, que foram exemplos que me marcaram profundamente. Vários já estão na Casa do Pai, e alguns ainda aqui. Tia Eni, a mãe da Silvane, e seu Cedro e dona Dinorah, os pais dela. Os outros Borja, que sustentaram minha avó Evangelina emocional e financeiramente durante a longa provação da doença do meu avô. Dona Anita e seu Abner que, enquanto tiveram a mente lúcida, jamais se esqueceram da “Claudinha” e me tratavam com um carinho indescritível. Dona Lígia Mafra, a eterna organista. Esmeralda, a nossa “Pelalda”. Taelma, que trabalhava na maravilhosa Livraria Evangélica, responsável em grande parte pelo meu apreço pela boa literatura e pela vontade de ser tradutora. Alice, a “Clorofila”, que sempre sentava ao meu lado na igreja. Major, sempre trabalhando para deixar todos confortáveis e à vontade. Tia Minó e tia Augusta, sempre juntas. Minhas duas avós preciosas. Vovó Evangelina era tão grata à Primeira Igreja que jamais deixou de ser membro de lá. Quando não precisou mais de sua pensão de viúva de pastor, passou a doar para eles, devolvendo um pouco de tudo que fizeram por ela e pelo vovô. Tanta gente boa!

Parecia que as pessoas passavam por mim, como num desfile, e um texto bíblico lindo me veio à mente:

Portanto, também nós, visto que temos a rodear-nos tão grande nuvem de testemunhas, … corramos, com perseverança, a carreira que nos está proposta, olhando firmemente para o Autor e Consumador da fé, Jesus. (Hebreus 12:1, 2)

Que nuvem é essa que Deus colocou ao meu redor! Que privilégio imenso! Bem, talvez seja mais adequado dizer: diante de tal nuvem de testemunhas, que responsabilidade enorme a minha!

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ABUNDÂNCIA

Não, não se trata de abundância de posts no blog. Muito antes pelo contrário. Acabei de ver que não escrevo nada aqui desde julho do ano passado! Que absurdo! Parece até que não gosto de escrever.

Acontece que fiquei meses sem vontade. Triste, né? Pelo menos para mim. Acho que também para você que me lê. Se está lendo é porque gosta, já que ninguém é obrigado a ler coisa nenhuma.

Bem, por que abundância? Porque foi o que o Daily Post sugeriu. E me fez pensar em uma cena que vi no domingo passado.

Cresci em meio à abundância. Não necessariamente física, embora jamais tenha passado qualquer tipo de necessidade e tenha sempre tido bem mais do que o essencial. A verdadeira abundância, porém, não está no dinheiro ou nos bens de uma pessoa. Há ricos que vivem carentes.

Traduzi ontem uma citação impactante de Madre Tereza:

Indesejados, desamados, desamparados, esquecidos por todos. Creio que esses são muito mais pobres do que a pessoa que não tem o que comer.

Que verdade profunda! Por isso digo que cresci em meio à abundância. Nem por um segundo em minha vida me senti esquecida por todos. Nunca me considerei indesejada ou desamparada. E não falo de família apenas. Vai muito além. Cresci em um círculo de amizade extremamente profunda que poucos neste mundo experimentam.

Para descrever a cena que aconteceu no domingo, preciso explicar que os personagens cresceram juntos, na Igreja Metodista da Asa Sul, aqui em Brasília. Nos conhecemos desde bem pequenos. Os que vieram para cá com os pais chegaram com cinco ou seis anos de idade, no máximo. Nos tornamos amigos nessa época e assim nos mantemos até hoje.

Com o passar do tempo, circunstâncias nos afastaram fisicamente, contudo o amor fraternal jamais se abalou.

Uma dessas amigas desde sempre é a Lena. Ainda jovem, se casou com o Ivan. Ele não cresceu em nossa comunidade, chegou mais tarde, mas como acontece nas famílias, se tornou um de nós por causa da esposa. A vida seguiu, Lena e Ivan deixaram de fazer parte de nossa comunidade de fé, mas ninguém deixa de ser membro da família Metodista da Asa Sul. Uma vez parente, parente para sempre.

Foi em profunda tristeza que recebemos no sábado a notícia de que Ivan falecera devido a um enfarte. O WhatsApp ferveu de mensagens. Todos queriam saber o que tinha acontecido, onde poderíamos encontrar Lena e os filhos para dar um abraço. Foi só no domingo à tarde. E um a um os membros da família foram chegando. Comentei com a mamãe que teriam sido uma tarde deliciosa, não fosse o fato de estarmos diante de uma cena tão triste.

Cada um que chegava derramava abundância de amor sobre a Lena. Sei que, como eu, todos queriam tirar do rosto dela aquele ar de dor. Depois de abraçá-la, fiquei por perto um pouco e vi que meu irmão e Baby, também membro da família Metodista da Asa Sul, se aproximavam da Lena, um de cada lado, um sem ver o outro. De repente, fizeram um sanduíche com a Lena no meio. Ali ficaram abraçados, chorando com ela. Abundância. Dá para voltar o tempo? Não é possível sermos jovens de novo, tendo como única preocupação quem está namorando com quem?

Diante das tragédias da vida, vivo em abundância. Abundância de amor, cuidado, carinho. Quando a tragédia é do outro, me doo. Quando é minha, recebo. E assim, sigo, em abundância.

Dinheiro? Não, não tenho.