SURPRESA DE NATAL – Filmes descartáveis

Não sei a razão. O fato é que a maioria dos filmes descartáveis se passa na época do Natal. Pode ser o cenário com neve, que fica mais romântico, ou a beleza dos enfeites, ou até a carga emocional que as festas de fim de ano envolvem que leve a essa opção dos roteiristas e diretores.

Surpresa de Natal é a epítome da descartabilidade. Vi e revi inúmeras vezes, como tantos outros descartáveis que amo. A atriz principal, Faith Ford, divide com Gail O’Grady, que já mencionei em outro post, o trono de rainha dos filmes descartáveis.

Neste, Emily (interpretada por Faith Ford) e Faith são amigas de infância. Emily é professora do ensino fundamental, mora em uma cidade pequena, daquelas de sonho nos Estados Unidos. Vive exatamente o estereótipo: conhece todo mundo, todos a amam, faz biscoitos para distribuir, enfeita a casa inteira para o Natal, faz ela mesma a ceia mais tradicional que se pode imaginar. Ficou viúva alguns anos antes, e ainda chora a ausência do marido. A filha única estuda em Boston, e, neste ano, quer passar o Natal com o namorado, não quer participar de todas as tradições da mãe.

Faith abandonou a cidade pequena. Mora em uma cidade grande, é executiva bem sucedida em uma grande empresa. Também vive o estereótipo: divorciada porque não conseguiu manter o casamento, só encontra tempo para o trabalho, não tem vida social, não consegue aproveitar a vida. As duas mantêm a amizade à distância.

Emily decide fazer uma surpresa para a filha e vai para Boston. Faith resolve consolar a amiga e vai para a cidadezinha, sem contar nada.

Aí, uma experimenta a vida da outra. Emily descobre as delícias do grande centro e Faith relembra o que havia de bom na cidade em que nasceu.

Gosto de conhecer outros lados. Penso que a vida tem que ser multifacetada e não engessada. No entanto, esse experimentar o outro lado da vida nem sempre é agradável. Contei uma experiência dura que tive em O Outro Lado do Mundo, O Outro Lado do Mundo (2) e De Volta ao Outro Lado do Mundo.

Ao contrário do que aconteceu comigo nessa história que contei, Emily e Faith passam por uma experiência deliciosa. Cada uma vivencia apenas a parte boa da vida que rejeitou. Com isso, encontram prazeres e alegrias desconhecidos ou esquecidos. Emily aprende que há vida interessante fora das fronteiras de sua cidadezinha, e Faith relembra que havia muitas coisas boas em sua terra de origem. Claro que as duas encontram o amor no lugar inesperado. Não seria um de meus filmes descartáveis se isso não tivesse acontecido. Emily cria coragem para se arriscar em coisas novas, deixando o passado para trás. Faith faz as pazes com o passado, e aprende, ou reaprende, que a vida é muito mais do que trabalho.

A história é simples e previsível, como a de todos os bons filmes descartáveis. Em todos eles, também, encontramos lições que podem vir a ser bem úteis para nossa vida. E essa, de aprender a enxergar o outro lado da vida, de não desprezar o que desconhecemos, sem experimentar, é das melhores. Amo abraçar o desconhecido. Ainda ontem, comentei na nossa aula na igreja que às vezes dói. E muito. Nem sempre o novo é sinônimo de melhor do que o anterior.

Há uma tendência a tomar a palavra “novo” como alguma coisa sempre melhor do que o que passou. Isso não é verdade. Muitas vezes, a situação nova é muito pior do que a que vivíamos anteriormente. As perdas geram situações novas, que levam a sofrimento. Sejam perdas emocionais ou financeiras. Morte, perda de emprego, divórcio, falência, distância – são “novos” que não têm nada de gostoso. Toda situação, porém, traz aprendizados, traz crescimento, caso a aceitemos, caso seja nossa decisão aprender com ela.

A palavra chave é “aceitação”. Aceitar o que acontece, extrair o melhor de cada momento, saber rir em meio a lágrimas. E, na maior parte das vezes, o novo é bom, graças a Deus! E muitos perdem a oportunidade, deixam passar o que seria fonte de aprendizado e prazer. Simplesmente porque não souberam, ou não quiseram, aproveitar a surpresa. Seja ela de Natal, ou não.

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JACK – Filmes descartáveis

Robin Williams atuou em tantos filmes de sucesso!  Sociedade dos Poetas Mortos. Gostei. “Captain, my captain.” Os garotos todos em pé em cima da mesa no final. Aqui entre nós, bem previsível, certo?

Hook. Amei. De advogado almofadinha a Peter Pan. Resgatando ao final o relacionamento com os filhos. Sintomaticamente, não é dos prediletos da crítica.

Uma Babá Quase Perfeita. Penso que filme ou é todo fantasia ou é mais real. Um homem se vestir de velha todos os dias e conseguir enganar a ex-esposa e os filhos? Considero inverossímil.

Aliás, ser verossímil é uma característica essencial em qualquer história, para mim. Pode ser fantástica. mas tem que ser lógica dentro da fantasia. Explico. Minhas filhas gostavam muito da série Smallville, que tratava da adolescência do Super-Homem. Eu não seguia a série, via apenas alguns pedaços ao dar uma paradinha na sala enquanto elas assistiam. A história do Super-Homem, segundo meu conhecimento, é que seu planeta ia ser destruído, então seus pais o colocaram em uma nave e o enviaram para a Terra, para ele não morrer. Por ser de outro planeta, ele tinha super-poderes aqui. Fantasia, mas há lógica na história. Causa e efeito. Só que, nos pedaços da série que eu via, os habitantes da cidade também tinham superpoderes. Nem sei quantas vezes falei:

– Mas por que essa aí tem esses poderes? Não tem lógica, ela é humana!

Minhas filhas, na suprema ironia da adolescência, respondiam:

– Mãe, isso é SMALLVILLE, não tem que ter lógica.

Eu explicava toda a teoria da verosimilhança na literatura, nas obras de ficção, mas elas nem ouviam, claro. Até que, um dia, uma delas me contou:

– Quando a nave que trazia o Super-Homem caiu na cidade, a radiação se espalhou e afetou as pessoas. De vez em quando elas têm superpoderes por causa da radiação.

Ah, agora, sim! Explicado o fato com uma relação lógica, eles podem ter todos os poderes que os autores desejarem.

A história do pai e ex-marido que engana todo mundo se passando por babá velha não me convence. Pode até ser num primeiro momento, mas, durante semanas, como no filme, não engulo. Não me parece verossímil.

Os dois filmes de Robin Williams que mais me agradam não são muito aclamados pela crítica, claro (se quiser entender essa peculiariedade, leia minha página A Cinéfila): Jack e Jumanji. O segundo trata do tema recorrente em meus filmes prediletos: a chance de voltar no tempo e fazer tudo diferente. Engraçado, eu não tenho essa vontade. Por que será que gosto tanto de filmes com essa temática? Será um desejo inconsciente? Acho que não. Já fiz terapia suficiente para saber que não tenho, mesmo, vontade de mudar toda minha vida, de refazer tudo.

Jack, porém, não fala de voltar no tempo. Pelo contrário, dá aos pais a percepção constante do que ninguém quer ver: o filho cresce e envelhece em ritmo alucinante. A mãe está com pouco mais de dois meses de gravidez quando o bebê nasce. Ele cresce num ritmo assustador, e os médicos constatam que o corpo dele envelhece quatro vezes mais rápido do que o das outras pessoas. A mãe o fecha em casa, para evitar que as outras crianças o critiquem. Dá a ele a vida perfeita, se dedica inteiramente a ele. Mas o Jack quer bater asas. Quer ir à escola, ter amigos, ser uma criança normal. Ele e o pai acabam convencendo a mãe a deixá-lo bater as asas.

Aos 17 anos, com aparência de 80, ele termina o ensino médio. Sai com amigos para celebrar. Os pais ficam olhando, num misto de alegria e tristeza. Claro que ele não conseguirá terminar o curso superior. O corpo dele não vai resistir.

Esse filme me comove muito. Identifico-me profundamente com a mãe que deseja poupar seu filho de todos os sofrimentos e decepções, que procura criar para ele um mundo tão maravilhoso dentro de casa que o leve a querer ficar sempre ali. Ao mesmo tempo, sinto a dor dela ao ver o filho crescer e envelhecer naquele compasso acelerado. Não é isso que todas sentimos? Por mais que o crescimento de nossos filhos seja lento, um dia após o outro, um ano após o outro, sempre parece que eles estão avançando em velocidade supersônica. Quantas vezes repetimos:

– Passou tão rápido! Parece que foi ontem!

O filme apresenta de forma literal o que se passa no meu coração. Garanto que meus filhos cresceram e viraram adultos numa velocidade quatro vezes mais rápida do que a dos outros filhos. Se não é assim, por que, então, eles ficaram adultos tão rápido? Por que eu que, outro dia mesmo, ansiava por alguns momentos de solidão, hoje passo a maior parte do dia sozinha? Como é que, ainda me sentindo tão “verde”, já tenho um homem e duas mulheres me chamando de mãe?

É, o Jack não envelheceu mais rápido do que os outros filhos, não. Todos, aos olhos das mães, envelhecem rápido demais.

Pode isso, Arnaldo?

Pode isso, Arnaldo?

Parece que foi ontem...

Parece que foi ontem…