DE VOLTA AO OUTRO LADO DO MUNDO

Há quase um ano vim a conhecer o lado do mundo onde vivem os pacientes de câncer. Contei um pouco sobre minha experiência em dois posts que chamei de O outro lado do mundo (https://claudiazillerfaria.com/2011/11/09/o-outro-lado-do-mundo/ e https://claudiazillerfaria.com/2011/11/23/o-outro-lado-do-mundo-2/). Uma longa cirurgia, outra menor para instalar o cateter e doze sessões de quimioterapia depois, voltei ontem ao outro lado do mundo.

Era a colonoscopia de controle do final do tratamento. O trauma da primeira, de receber a notícia a queima-roupa, de sair chorando pelo Centro Médico, à noite, para levar o material que eu já sabia que era maligno para análise ainda pesava muito. Sérgio estava tranquilo, mas eu, não. Na verdade, no primeiro exame ele dormiu o tempo todo, nem lembra da conversa com o médico.

Todos que conhecem meu marido sabem como ele é cuidadoso para se arrumar. Está sempre bem vestido, toda a roupa combinando. Há coisas que não usa de forma alguma. Uma delas é sandálias havaianas.

Bem, acabado o exame, me chamaram para ficar com ele, que estava sedado, claro, até o médico vir falar comigo. Não dá para descrever o que eu sentia. Quando eu o vi, mais uma vez quis chorar. Vestido com aquelas camisolas horrorosas de hospital, coberto por um lençol branco de tecido grosso e… com havaianas nos pés. É, do outro lado do mundo a gente não tem escolhas. Fazem conosco o que acham melhor e a gente nem vê.

O médico veio e me deu notícias excelentes. Aí eu deixei algumas lágrimas de alívio correrem. Ainda temos que levar outros resultados para o oncologista, tem umas coisas lá que a gente não entende, mas ontem me dei o direito de sentir o alívio da notícia boa.

Ele demorou para acordar. Enquanto eu esperava, chegou um senhor com a filha. Eles estavam no ponto de onde parti há um ano. O médico achou uma lesão de “aspecto ruim” e tirou o material para fazer a biópsia. Pensa em duas pessoas angustiadas. E ela nem tinha como sair andando pelo Centro Médico com a desculpa de ir ao laboratório para se acalmar. Precisava dar força ao pai.

Comecei a conversar com eles. Mostrei o Sérgio, que dormia tranquilo, e falei que há exatamente um ano ele estava na situação daquele homem. Contei do susto que levamos, da angústia. Mas também falei da cirurgia por laparoscopia, com três furos na barriga e um corte bem pequeno que nem levou ponto. Lembrei da recuperação rápida. Omiti a quimioterapia que, na verdade, foi o mais difícil, mas omiti porque muitos nem precisam dela. Enfatizei que ele estava muito bem, que era só um exame de controle e que não havia aparecido mais nenhum tumor.

Enquanto falava com eles, vi que a filha relaxou um pouco, e o pai também. Sei que saíram um pouco menos apreensivos. É, alguém já passou por isso e venceu.

Ninguém pertence a esse outro lado do mundo. A gente vai lá, passa algum tempo e sai. Ele não é o projeto de Deus para nós. Muitas pessoas saem de lá mortas, mas saem. Lá não é o lugar dos seres humanos. E, quando temos que passar por lá, precisamos aprender as lições que pudermos, e, com elas, tentar aliviar a carga dos que estão conosco na mesma luta.

Publicidade

2 comentários sobre “DE VOLTA AO OUTRO LADO DO MUNDO

  1. Pingback: SURPRESA DE NATAL – Filmes descartáveis | UMA PITADA DE CLÁUDIA

  2. Pingback: E O MUNDO TEM MAIS UM LADO | UMA PITADA DE CLÁUDIA

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s