TEMPESTADE

Em geral, tempestades são associadas a perigo, medo, insegurança, busca de abrigo. Se a palavra estiver sendo usada em sentido figurado, então, a gente corre delas, foge usando todos os meios ao nosso alcance. É inevitável. Viver implica em enfrentar tempestades literais e figuradas. E ninguém gosta delas. No entanto, nas figuradas é que crescemos e amadurecemos e, se soubermos apreciar, as literais podem ser maravilhosas. Vou contar algumas experiências.

Morávamos na 308 Sul. Eu estava na sala, Cristina em nosso quarto. Entre os dois espaços ficava a sala de jantar. Sempre tive medo de trovão. Desabou uma tempestade, com trovões cada vez mais fortes. Eu e Cristina, cada uma no seu canto, fomos ficando com medo. De repente, veio um estrondo como ouvi poucas vezes na minha vida. Saí correndo da sala, Cristina veio correndo do quarto. Nos encontramos no meio da sala de jantar, ficamos bem perto uma da outra e… gritamos. Pensa em gritos histéricos. Depois de gritar bastante, cada uma voltou para onde estava antes. Estou aqui digitando isso, lembrando-me da cena e rindo sozinha.

Um dos meus cunhados, não conto qual deles nem que me cortem a garganta, deu um show melhor do que o nosso. De voz grossa, muito macho, ele não tem medo de nada. Estávamos em um restaurante, a família toda. Era domingo à tarde e caiu, creio eu, a maior tempestade que Brasília já viu. Relâmpagos e trovões assustadores. E aí, um tão forte que parecia ter caído no prédio em que estávamos. Meu cunhado se encolheu, levantou as mãos trêmulas e falou, com a voz bem fina e fraquinha:

– Aaaaaaaaiiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!!!!!!!!

Coitado, sofre até hoje por isso. Todas as vezes em que nos lembramos da história a gente chora de rir. Ele tenta se defender, mas não há defesa. E houve um agravante. No meio de uma tempestade, dessa vez estávamos na casa da minha mãe, à mesa, começamos a lembrar da história e a rir dele. Como Deus tem muito senso de humor, mandou outro trovão assustador. Meu cunhado deu o mesmo grito e, ainda por cima, se escondeu atrás da pobre da Amandinha! Para uma família que gosta de rir e mangar dos outros, esse fato é um prato cheio!

No entanto, uma das tempestades que presenciei não foi motivo de risada. Foi um momento de ver a maravilha de Deus, de ficar assombrada diante de tanta beleza. Na verdade, a certa altura, vovó Evangelina se levantou e se afastou, dizendo que não tinha condições de contemplar aquela maravilha, era beleza demais e ela estava com medo de passar mal.

Foi em Barra Velha, nossa moradia durante muitos meses de janeiro. Começou a chover forte. Como não tínhamos compromisso com nada, fomos para a varanda “assistir a chuva”. E começou uma tempestade de raios. Vinha um relâmpago e, em vez de cair no solo, ele se espalhava pelo céu, criando uma espécie de renda de luz no meio das nuvens escuras. Nem bem acabava um, já começava o outro. Ficamos todos ali, contemplando aquela maravilha. A gente nem falava, mal respirava. Não tenho ideia de quanto tempo durou. Foi muito tempo. Só vi algo semelhante em documentários na televisão. Ao vivo, ainda não vi de novo. E gostaria muito de ver, muito mesmo.

E penso que as tempestades que enfrentamos na vida podem ser, também, como essas de que falei. Momentos de medo, de vontade de fugir. Há, também, as ocasiões em que podemos rir muito no meio da tempestade. E, acima de tudo, é no meio delas que conseguimos enxergar os relâmpagos que a Bíblia afirma que saem o tempo todo do trono de Deus…

 

Publicidade

25) CRIANÇAS, CRIANÇAS E MAIS CRIANÇAS

Durante muito tempo, “minha pessoa” foi diretamente relacionada às crianças da IMAS.

Comecei a dar aulas na Escola Dominical aos 14 anos. Calculo que tenha ficado lá pelo térreo de nosso prédio durante uns 30 anos.

Minha primeira turminha era a de 8 a 10 anos, então eu era pouco mais “velha” do que meus alunos. Hoje, estão casados, com filhos… Tenho a alegria de ver muitos na nossa igreja, criando os filhos também ali. Mas também me alegro ao ouvir notícias de alguns que se mudaram, que frequentam outras comunidades, mas que continuam aos pés de Jesus. Não tenho a pretensão de achar que estão bem por minha causa, mas tenho a alegria de ver que, pelo menos, não atrapalhei.

Uma das melhores coisas de trabalhar com crianças é o tanto que a gente aprende. Jesus disse para nos tornarmos como elas, de modo que sempre tentei observar bem as ações e reações de meus aluninhos para descobrir o que falta em minha vida.

Durante mais de 10 anos, dei aula na Escola Dominical da igreja de Ceilândia Sul. Ia para lá cedo, chegava na IMAS a tempo de pegar minha salinha aqui também. Duas realidades opostas. Foi necessário aprender até a falar com as crianças da Ceilândia, que, naquela época, era uma favela. Hoje, felizmente, melhorou muito.

O templo ficava no final de um comprido corredor. Eram tantas crianças em cada turma, não sei como dávamos conta. Na hora de irmos todos para o encerramento, as crianças precisavam ir em silêncio, sem arrastar os pés pelo chão, porque tudo fazia eco dentro do templo. Todo domingo eu repetia:

– Então vamos, pessoal! Boquinha calada e sem arrastar os pés.

E lá iam eles, na maior conversa e arrastando os pés pelo corredor. Um dia, tive uma ideia. Perguntei:

– Gente, todo domingo eu falo, quero ver se vocês sabem. Como deve ficar a boca de vocês no corredor?

– CEPADA!

– E os pés? – perguntei, intrigada pela resposta.

– ARRIBADO!

Pronto, problema resolvido. Eu dizia “boca cepada e pé arribado” e ia todo mundo direitinho até o templo. Aprendi ali que a gente tem que falar a língua de quem ouve. Palavras bonitas não resolvem, não estabelecem comunicação.

Na metade da década de 80, fui escolhida para dirigir o Departamento Infantil. Grande honra! Reverendo Manoel Ferreira me aconselhou a fazer planejamento de longo prazo. A pensar em ficar 10 anos na diretoria. Caso saísse antes, não haveria problema. Caso ficasse, teria um projeto a realizar. Assim fiz. Tive a me apoiar a equipe dos sonhos de qualquer líder. Não vou citar os nomes. Só da minha mãe. Era a professora da classe dos menorzinhos. Ela também tinha a equipe de apoio dela, e nunca encontrei, em lugar nenhum, uma salinha para crianças de 1 anos que realize trabalho que chegue nem aos pés do que elas faziam.

Foram anos felizes, muito felizes. E eu continuava aprendendo muito.

Certa noite, no culto infantil, eu ensinava como tudo vem de Deus. Falei sobre a saúde, nossa casa, a família, os brinquedos… Nesse ponto, Rafa protestou:

– Aí também não, tia Cláudia! Brinquedo o pai e a mãe que dão.

Percebi que estava apresentando Deus como um tipo de Papai Noel que distribui presentes a torto e direito. Nunca mais fiz isso. Expliquei que os pais só tinham dinheiro por causa do trabalho, só trabalhavam por terem saúde, etc, etc. Mas quem mais aprendeu naquela noite fui eu.

Em uma EBF, recebemos no primeiro dia crianças que moravam em uma favela no final na L2, onde nossa igreja realizava um trabalho maravilhoso de evangelização e Ação Social. No primeiro dia, tinha um garoto, muito interessado. Devia ter uns 10 anos. Na hora de ir embora, ele me disse que não poderia participar dos outros dias, porque tinha que vender os pastéis que a mãe fazia. Falei para ele ir e levar os pastéis, que a gente compraria todos. Assim foi. Os pais chegavam para buscar as crianças e saíam com os pastéis que ninguém comia. Eram gordura pura, muito ruins. Mas compravam assim mesmo. Não sei por que motivo, certo dia eu não tinha troco para dar para o menino. Tinha uma nota de, digamos 50 reais, e tinha que dar para ele, no máximo, 20.

Havia uma garotinha, Débora, que ia todos os dias para a EBF, porque a mãe nos ajudava na secretaria. Mas ela tinha apenas 3 anos e passava a tarde dormindo no sofá na secretaria. Só acordava na hora de ir embora. Nesse dia em que eu precisava trocar o dinheiro, ela tinha acabado de acordar, estava toda descabelada, sentadinha no sofá. Eu pedia ajuda a um e outro, para trocar a nota grande, mas ninguém tinha. De repente, vem uma vozinha lá de longe:

– Eu acho que você devia dar esses 50 reais pra esse menino.

Paramos todos, de boca aberta. Nem imaginávamos que ela estava prestando atenção, quanto mais que tivesse opinião a dar sobre o caso. A reação foi unânime:

– Entrega o dinheiro pro menino.

Assim fiz. E aprendi que Deus fala pela boca de uma menininha de 3 anos que tinha acabado de acordar.

Em outro culto noturno, na hora de encerrar, demos as mãos em círculo e perguntei se alguém tinha um pedido de oração. Marcos Teixeira não titubeou:

– Quero que meu pai leve minha bicicleta para consertar esta semana.

Os maiores riram dele. Mas ali, naquela noite, eu e eles aprendemos que devemos levar a Deus até as coisas que não parecem importantes, que ele se importa com todos os detalhes de nossa vida.

Mas chegou o dia em que acabou. O ciclo se fechou. O Departamento Infantil não era mais o meu lugar. Não houve qualquer aborrecimento, qualquer problema. Simplesmente, Deus tinha outras coisas para eu fazer, estava na hora de encerrar o longo projeto iniciado com o Reverendo Manoel e dar lugar a novas ideias, novos projetos. Segui em outras direções, todas maravilhosas. Mas o tempo com as crianças foi inesquecível.

Há cerca de dois meses, Luciana me convidou para levar a mensagem para as crianças no culto noturno. Aceitei com a maior alegria. E foi domingo passado. Que delícia!!!!! Pelo menos para mim.

Antes da minha história, bem no início do culto, Luciana perguntou às crianças se alguém queria contar alguma coisa boa que Deus tinha feito na semana anterior. Ana Beatriz levantou a mão. Eu fiquei imaginando o que aquela pitucha de 3 anos teria para contar. Em pé na frente de seus amiguinhos, ela deu seu testemunho:

– Apareceu um pavão na minha casa!

Tão pouco, podem pensar os adultos. Uma maravilha de Deus, pensa aquela criancinha. Quando é que perdemos a capacidade de nos maravilharmos com as pequenas coisas que Deus faz? Ah… se não vos tornardes como crianças…

Este slideshow necessita de JavaScript.