FIQUEI UMA FERA!

Não sei se demoro para me irritar ou se demoro para manifestar a raiva. Faço tudo devagar, então, talvez, o que demore para acontecer seja a reação, e não o sentimento. Mas há algumas situações em que parto para o ataque no mesmo instante.

Lembro-me de duas em especial.

A primeira foi em Las Vegas. Um de nossos companheiros de viagem fez um cálculo. O hotel em que nos hospedamos abrigava, provavelmente, mais pessoas do que a cidade natal dele, Cruzília. Rimos bastante, mas o fato é que o hotel, enorme como tantos em Las Vegas, era um verdadeiro labirinto.

Chegamos de um passeio e a Flávia, que tinha 12 anos, perguntou se podia ir à piscina. Depois de mostrar a ela o caminho para o apartamento, subi e ela foi passear. Era inverno, não dava para nadar. Ela queria só dar uma olhadinha. O tempo passou e, de repente, eu me dei conta de que ela já deveria ter subido. Desci imediatamente, com o Sérgio, para procurar nossa filha. Clarice e Cristina se uniram a nós. Pensa numa pessoa que tem medo de filho desaparecer. Isso mesmo – sou eu. Sinto dor de barriga, fico tonta, já imagino as piores situações do mundo. Cada um para um lado, naquele universo maior do que Cruzília, lá fomos nós. Não estava na piscina. Como era menor de idade, não podia jogar no cassino, mas eu resolvi procurar no meio das máquinas caça-níquel. De repente, vi minha filhinha, chorando, andando perdida no meio das máquinas. Ela me abraçou e, soluçando, falou que o cara que vigiava os elevadores tinha dito que ela não podia subir. E ela não sabia o que fazer.

Na época, ela não falava inglês. Parti que nem uma leoa para cima do incompetente. Sabe o que ele me falou? Que deu a ela todas as chances possíveis para explicar aonde ia, mas que ela não respondeu. Foi bonzinho, segundo palavras dele, a ponto de oferecer lápis e papel para ela escrever o número do apartamento e ela se recusou.

A cada frase dele, eu dizia, cada vez mais alto:

– She doesn’t speak English!

Começou num tom normal, e terminou num dueto de gritos, com a Clarice no contralto e eu no soprano.

Tentei explicar para o asno que nem todas as pessoas do mundo falam inglês, principalmente quanto têm apenas 12 anos de idade, mas ele foi incapaz de entender essa realidade. Bem, a gente sabe que os americanos pensam que são o umbigo do mundo, mas aquele homem trabalhava em um hotel frequentado por pessoas de todos os cantos do mundo. Era muito burro mesmo.

Lá fomos eu e a Clarice atrás do gerente. Sabe a explicação? Poucas semanas antes uma criança sofrera abusos dentro de um dos hotéis da cidade, então eles achavam mais seguro deixar a menina sozinha pelo cassino do que ir para o apartamento onde estavam os pais. Bem, a gente sabe que eles fazem de tudo para não serem processados e a segurança de uma estrangeira não faz parte das prioridades. Dá para sentir que até hoje eu fico irada?

A segunda vez em que perdi as estribeiras foi aqui mesmo em Brasília, no Píer. E também envolve uma criança.

Foi a Amanda. Desde pequenininha ela detestava fazer qualquer coisa que considerava errada. Como deixar cair um objeto, quebrar alguma coisa, estragar, enfim, ela sofria com tudo que saísse do que ela achava certo.

Era feriado e fomos almoçar no Píer. Ela era a única criança, devia ter uns 4 anos, no máximo. Toda feliz, pediu para carregar a bandeja com o lanche dela. Veio, com o maior cuidado, e, quase chegando à mesa, o copo do suco virou e molhou tudo. Pulei da cadeira, falei logo que não tinha problema e voltei com a bandeja à lanchonete. Ela me seguiu. O balconista nos entregou outro lanche, que ela insistiu em carregar de novo. A tragédia se repetiu. Ela ia começando a chorar, mas consegui consolar. Voltamos ao balcão e… acredite ou não, aconteceu tudo igual mais uma vez. Aí não teve jeito. Ela caiu em prantos. O pior é que não fazia escândalo, as lágrimas escorriam pelo rostinho dela, e ela falou que não queria mais comer.

Resolvi olhar a bandeja. Tinha uma elevação no meio. Não era plana. Só equilibrista de circo para conseguir carregar sem entornar. Pensa, agora, numa tia soltando fumaça. Voltei com a porcaria da bandeja até a lanchonete. Dei um murro no balcão e já comecei gritando:

– Chama AGORA o gerente desta joça! (É, foram essas as minhas palavras.)

O cara veio ressabiado e vou colocar em uma frase só, sem as tentativas de interrupção dele, o que falei, num tom tão descontrolado que todo mundo em volta olhava para mim:

– Olha esta bandeja! Pega e joga no lixo imediatamente. A gente sai de casa com a criança mais boazinha do mundo e por causa da porcaria da sua bandeja ela está ali, chorando. Nós a trouxemos para se alegrar no feriado e ela está CHORANDO! Ela não chora nunca. Você fica economizando e entregando bandeja velha e estragada. Ela entornou o suco três vezes. E não gosta de fazer nada errado.

Continuei nesse tom mais um pouco, o pobre do cara foi se encolhendo, até que eu parei de esbravejar e ele me entregou o lanche da Amanda. Mas o estrago tinha sido feito. Ela estava triste. Até hoje fico com raiva quando lembro.

Se você me conhece bem, talvez nem me reconheça nessas cenas. Mas elas são verdade verdadeira. Aconteceram mesmo. Não me orgulho da reação exagerada, mas acho que tínhamos razão nas duas situações.

E fica a dica: se você não quiser conhecer a ira flamejante da Cláudia, nunca faça minhas crianças chorarem.

 

Publicidade

PRESENTE DE DEUS – AS SETE PRIMAS

Gosto de dizer que Deus ama nos presentear. Foi o que ele fez no final de 2013. Me deu um presente desses inesquecíveis.

Em um post em outro blog que mantenho (http://penaestradasempre.wordpress.com/2013/10/20/que-vontade-de-viajar/), comentei que estava com muita vontade de viajar. Estava mesmo, de verdade, com força. E, quando o Natal chegou, a vontade enorme parecia muito longe de se tornar realidade. No dia 29.12 seria a comemoração de 60 anos de casamento de meus tios Célia e Oswaldo, em São Paulo. Pensa numa coisa que parecia impossível.

Peguemos a máquina do tempo. Tia Célia é irmã da minha mãe. As idades dos cinco filhos dela são próximas às dos quatro filhos da minha mãe. Apesar de morarmos em cidades diferentes desde que eu tinha cinco anos, crescemos muito unidos. As férias eram assim: metade em Brasília, metade em São Paulo. Todos juntos. Não sei como as mães aguentavam. Naquele tempo, as férias escolares eram bem longas: um mês inteiro em julho e do final de novembro até março. Muitos dias de brincadeiras, aventuras, risadas e conversas. A casa onde estávamos, era a Casa das Sete Primas e dos Dois Primos.

Avancemos um pouco. Crescemos, nos casamos. Desde 1998 as Sete Primas não se reuniam. Suzana morando na Dinamarca e Emília nos Estados Unidos dificultava um tanto a reunião completa. Não que tenhamos nos separado por completo. As reuniões esporádicas aconteciam, mas sempre com alguma ausência.

A máquina do tempo vai mais além. E chega a setembro ou outubro deste ano. Lílian entrou em contato comigo. Comemoração do 60° ano de casamento dos pais dela. Queria saber se poderíamos ir a São Paulo. Respondi:

– Vontade não falta, mas parece que não vai dar… Vamos pedir a Deus e esperar nele.

A essa altura, a celebração seria com os habitantes do Brasil. Mesmo assim, a vontade de ir à reunião de família era imensa. Mas nem comentávamos. Eram tantas entradas e saídas de hospital, tantos avanços e retrocessos que nem chegávamos a sonhar com a viagem.

Mas, no dia em que eu falei sobre a vontade de viajar, Deus, lá do trono dele, sorriu e falou:

– Ela nem imagina a surpresa que estou preparando.

Chegou o Natal. Quatro dias para a festa. Na noite de Natal, papai falou:

– Eu estou com vontade de ir à festa em São Paulo.

Clarice e mamãe partiram para a ação. Hotel pela Bancorbrás. Lílian acionada, começou a procurar táxis adaptados para cadeiras de rodas e cuidador para ajudar a mamãe a atender as necessidades do papai. Na noite do dia 26, mamãe me disse:

– Amanhã à tarde eu, seu pai, você e Clarice vamos para São Paulo. Cristina vai no domingo de manhã. Voltamos todos na segunda-feira.

Pensa numa pessoa empolgada. Até que abri minha página no Facebook e vi uma foto. Aí comecei a chorar de alegria: Emília tinha chegado! Veio para a festa. Lílian comentou: “Falta só mais uma, depois são vocês”. Não entendi. Mas aí eu vi outra foto: Suzana e Flora chegando da Dinamarca!!! As Sete Primas iam se encontrar em São Paulo! Com o bônus de conhecermos a Flora, que já tem cinco anos e ainda não tínhamos visto pessoalmente.

Quando desembarcamos em São Paulo, Lílian e Suzana nos esperavam. Assim que nos vimos, começamos a chorar. Nos abraçamos ainda separadas por aquela cordinha de aeroporto. Um dos  “garramentos” mais deliciosos que podem existir – as duas, eu, Clarice e mamãe. O rapaz da companhia aérea, que empurrava a cadeira do papai, não deve ter entendido nada. Só nós sabíamos a emoção contida naquele momento mágico, preparado por Deus para nos dar de presente.

Foi um final de semana de sonho. Não foi fácil. As limitações do papai são reais. Ele está fraco, precisa descansar. Mesmo assim, participou da alegria, recebeu o carinho dos sobrinhos que tanto ama.

Cabe aqui um destaque. Tenho dois biprimos. Explico. Alexandre, filho do irmão do meu pai (Amílcar), casou-se com Solange, filha da irmã da minha mãe (Célia). Um toque especial desse final de semana foi encontrar o Alexandre. Solange tinha vindo nos visitar meses antes, mas fazia bastante tempo que papai e Alexandre não se viam. Então, toda hora meu biprimo ia se sentar perto do tio para matar a saudade. Meu pai se alegrou muito com isso.

Depois que acabou a festa, Clarice chamou o táxi para levá-los de volta ao hotel. O motorista acompanhou atento o grupo de homens cuidando do “tio Biléo”, observando para que tudo ficasse perfeito para a pequena corrida até o destino. Esse motorista começou a chorar. Chorou durante todo o caminho. Quando Clarice foi pagar, ele falou que não cobraria aquela corrida de jeito nenhum. Por quê? Não sabemos. Alguma coisa, no carinho todo que cercou meu pai, na forma como os sobrinhos agiram, tocou no coração dele. Apesar de não saber o motivo, sei de uma coisa: realmente, a dedicação dos meus primos foi comovente.

Deus não nos dá presente ruim. E, como sempre digo, precisamos manter os olhos bem abertos para enxergar onde estão os presentes e ter coragem para aceitá-los. Mamãe poderia ter dito que seria muito difícil. E foi. Mas ela, e nós todos, e o motorista de táxi, teríamos perdido um dos finais de semana mais gostosos que já vivi.

As Sete Primas

As Sete Primas

Família reunida no final da festa.

Família reunida no final da festa.