MÚSICA E MAIS MÚSICA

Amo música. De todos os tipos e gêneros, exceto (que a Nora me perdoe) sertanejo. Claro que sou seletiva quanto à qualidade da música, em todos os tipos e gêneros.

Uma das muitas vantagens de ser tradutora é a visão de outras culturas que a profissão nos traz. Explico. Aprendi, desde pequena, a separar sacro e profano. Isso se aplica à música, evidentemente. Quando comecei a traduzir, descobri que nos Estados Unidos (é o país com o qual meu trabalho me leva a ter mais contato) não existe essa delimitação tão marcada. Cito alguns exemplos. Steve Curtis Chapman, compositor de música cristã, compôs uma canção comovente que fala de um pai que afirma que vai dançar com a filha enquanto ela está com ele, porque, um dia, ela não estará mais. Essa música se tornou febre nos EUA e tocava em todas as rádios, fossem elas “gospel” (palavra que não me agrada) ou não. A música não cita o nome de Deus em nenhum lugar, porém os princípios cristãos estão bem apresentados ali.

Outro compositor, Michael W. Smith, produziu, no início da carreira, Go West, Young Men, que aconselha os jovens a avançarem, a procurarem vencer na vida. Não fala em Deus, e a mensagem está bem clara. Além disso, Michael Smith gravou em um de seus CDs a conhecidíssima Bridge Over Troubled Water, em que o compositor afirma, como mais recentemente cantou Aline Barros, que vai se colocar como ponte sobre águas turbulentas para que outros possam atravessá-las em segurança. Bridge Over Troubled Water é considerada não sacra no Brasil. E a mensagem que ela traz é muito mais de acordo com a Bíblia do que muitas músicas “gospel” que existem por aí.

Bem, creio que deixei claro o que mudou em mim depois que comecei a mergulhar mais profundamente neste mundo diferente do meu. Sacro e profano não são excludentes. A criatividade é dom divino. Ele usa quem quer, declare-se a pessoa cristã ou não. Penso que, no Brasil, nos fechamos cada vez mais nas igrejas, nos isolamos e tememos o de fora, nos esquecendo de que Jesus nos deu tudo. Tudo nos pertence e temos que fazer o contrário: invadir o mundo e retomar o que tem sido tirado de nós.

Toda essa reflexão me veio por causa da morte, na semana passada, do compositor Leonard Cohen. Sua obra inclui muitas músicas românticas e algumas que falam sobre o relacionamento humano com Deus. Uma das canções mais lindas que conheço é dele: Hallelujah. Gravada por muitos, adaptada para Natal e com alterações na letra, a música é sempre linda. Seja cantada por um cantor lírico ou por uma criança.

Resolvi pesquisar a letra. A melodia, por algum motivo, dificulta o entendimento da letra e senti vontade de analisar com mais cuidado. Fiquei maravilhada! Faço um resumo não detalhado.

Ele começa falando sobre Davi, o rei poderoso, segundo coração de Deus, que compunha músicas que diziam Hallelujah. Em seguida, ele conta que a fé de Davi era forte, mas tinha que ser provada, e aí ele caiu por causa do adultério e que, mesmo decaído, dos lábios dele continuou a sair o Hallelujah.

Depois, ele se dirige a alguém que o acusa de tomar o nome de Deus em vão e afirma que o acusador não tem nada a ver com isso e que, mesmo que esteja fazendo alguma coisa errada, a pessoa vai ouvir dos lábios dele o Hallelujah – o santo ou o fraco.

Na conclusão, ele afirma que se esforça ao máximo, faz o melhor que pode. Sabe que não é muito, porém tentou acertar. E que, no final, não importa se acertou ou errou, ele estará diante de Deus com uma única palavra: Hallelujah!

É a minha história, é a sua história, é a história da humanidade. Sacra ou profana? Existe separação? Não acredito.

Segue uma das versões de que mais gosto:

Hallelujah

 

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E O NATAL VOLTOU…

É, poderia cantar a música dos estádios, trocando “campeão” por “Natal”. Explico.

Natal sempre foi uma data super hiper especial em nossa família. Enfeitávamos a casa com o maior capricho, sob a supervisão da mamãe. Lembro-me de um ano especial em que eu, com a ajuda da mamãe, recortei em contact um Papai Noel em tamanho real e colei na janela do quarto da Clarice enquanto ela dormia. Nunca acreditamos realmente em Papai Noel, mas gostamos da figura dele. Há até a história da Cristina sentada no colo… bem, essa é melhor deixar pra lá.

Era minha função amassar o panetone. É, até hoje é panetone feito em casa. Eu amava. Tinha que ser na véspera, ou, no máximo, na antevéspera, porque naquele tempo não existia freezer. Que delícia ir socando a massa grudada na mão até que, por um tipo de mágica, ela se soltava!

Sem falar na especialidade maior que mamãe só faz nessa época: a TORTA DE NOZES! A gente espera o ano inteiro por ela.

E os presentes… Árvore lotada! Papai era apaixonado por presentear. Só o vi comprar uma coisa para ele mesmo: uma camiseta furada em um balcão de “pequenos” defeitos em uma malharia em Santa Catarina. Assim como não gostava de comprar nada para ele, amava comprar para nós.

Desde sempre me lembro do ritual: dia 24 à noite, Cantata na igreja. Em seguida Ceia, que contava sempre com pessoas queridas, além da família. Por muitos anos foram Carlão, Jesse e as meninas. Evany e dona Dulce. Juarez. E muitos outros. Era um espalhar de amor. E a alegria do papai era isto: ver a casa dele cheia de gente alegre. Por isso, na nossa casa nunca trocamos os presentes no dia 24. É no dia 25 pela manhã.

No dia 25, papai vestia sua roupa de Papai Biléo, vinha para a sala com as renas, líamos a Bíblia, cantávamos, orávamos e trocávamos os presentes. Estas fotos são da manhã do Natal de 2011, o último celebrado de verdade até hoje.

À noite, para encerrar os trabalhos, castanha portuguesa com vinho. E assim fechávamos com chave de outro nossa celebração predileta.

Em 2012, papai tinha feito a cirurgia no joelho, que estava sangrando. Já era o tendão rompido que motivaria todo o processo que levou à morte dele. Nossa rotina gostosa não foi na sala, foi no quarto. Nossos corações não estavam tão leves quanto nos anos anteriores. Em 2013, de novo tudo no quarto, ele estava com aqueles ferros na perna e a cabeça ruim de tanto tomar remédio. Já não comprou tantos presentes, as famosas caixinhas com joia que dava para as mulheres foram escolhidas por mim. Estávamos em meio ao turbilhão. E não tínhamos a menor ideia do que nos aguardava no Natal de 2014: ele estava na UTI. Fomos à Cantata, mas eu e mamãe saímos no meio, porque houve um horário especial de visita, e queríamos vê-lo. Renata também foi. Tivemos Ceia, na casa do Henrique e da Renata. Não quisemos trocar presentes. Guardamos para quando ele saísse do hospital. Como foi de lá para o Céu, recebemos os presentes no aniversário. E Cristina deu para o tio Bide o presente que ia dar para o papai.

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O Natal passado foi o primeiro sem ele de verdade. E teve um agravante: Henrique estava doente, internado. Parecia meio que um pesadelo. Ninguém sabia o que ele tinha, emagrecia cada vez mais, foi internado no dia do aniversário da mamãe (dia 18) e, no dia 24, parecia que não ia ter alta. Ele já tinha mandado recado avisando que fazia questão de que tivéssemos Ceia e todo o ritual da manhã do dia 25. Estávamos prontos para fazer tudo quando tivemos uma surpresa maravilhosa: ele teve alta na tarde do dia 24!

Praticamos todo o ritual. Contudo, ninguém estava animado para comprar presentes, para festejar. Foi triste. Além da ausência dele, havia decepções profundas e recentes marcando alguns de nós. Sorrimos porque essa é a nossa marca: alegria. No fundo do coração, uma ausência imensa e a grande preocupação com a saúde do Henrique, que acabou sendo re-internado na tarde do dia 25. Não sem antes fazer a brincadeira que inventou há alguns anos e que vem aperfeiçoando: o sacão não do Papai Noel, o sacão do Henrique. Põe lá Um monte de bobagens e alguns presentinhos melhores e vai sorteando e mandando a gente cumprir umas tarefas – passar para a direita, trocar com alguém, devolver um presente e assim por diante. Foi divertido, mas não foi o Natal de sempre.

E, neste ano, o Natal voltou. Estou doida para enfeitar a casa, para comprar presentes, para ficar contemplando meus enfeites que tanto amo. Saudade? Imensa, maior do que o mundo. Quem viveu o praticamente perfeito vai ter saudade para sempre. É outra vida, que é diferente, mas não necessariamente pior. Afinal, quando papai e mamãe faziam todas essas coisas, já tinham perdido os pais deles e se alegravam conosco.

Como disse João Wesley, fundador de nossa igreja: “linha de esplendor sem fim” – vai passando de uma geração a outra, seja na alegria ou na dor.