Toda comunidade tem os indesejáveis, e a nossa não é a exceção que confirma a regra. Felizmente, eles se foram, mas permaneceram em nosso meio durante muito tempo.
Não frequentavam a Escola Dominical. Demonstravam predileção marcante pelo culto noturno. Aliás, acho que nunca foram vistos de manhã. E nunca faltaram a um culto sequer, durante o tempo em que fizeram parte de nossa turma.
Eram muito inquietos. Incapazes de manter silêncio, não sabiam respeitar nem as reflexões mais profundas dos sermões elaborados e pregados com maestria pelo reverendo Garrison.
Apesar de viverem em nosso meio durante muito tempo, foi exatamente no pastorado do reverendo Garrison que eles se manifestaram com maior veemência. Tanta veemência que a liderança da igreja achou melhor se livrar deles. Sim, a expressão é essa mesma: se livrar. Afinal, amor cristão tem limites.
A linha divisória está entre seres humanos e morcegos. Não há qualquer orientação bíblica no sentido se suportarmos as cargas dos morcegos, de alimentarmos morcegos famintos, de darmos abrigo a morcegos sem teto.
Mesmo assim, nós os abrigamos e alimentamos durante muitos anos, em um pé de alguma coisa que ficava bem na frente do templo. Ali, onde hoje tem uns banquinhos gostosos.
Os morcegos gostavam de participar do culto. O coral e o pastor não ficavam naquele parte de cima, ficavam no mesmo nível que a congregação. Aquele “palco” era fechado por uma cortina de veludo vinho.
Como grande parte da humanidade, tenho PAVOR de morcego. E que tormento era, quando um deles errava o caminho de casa e ia parar lá na frente do templo, voando por cima da cabeça dos coristas apavorados. Bem, os homens fingiam que não estavam com medo e ficavam rindo da gente. Reverendo Garrison sempre parava, fazia uma piadinha com a gente e seguia firme em seu sermão. Lamento informar que eu só conseguia dar atenção ao intruso que voava de um lado para outro.
Depois do culto, durante aquele papo infinito (Um aparte: seu Balmes, quando ia à nossa igreja, sempre dizia que gostava muito da Igreja Metodista, mas que só via um problema – a gente não ia embora nunca! Na igreja dele – segundo ele mesmo – era só ir lá, fazer o que tinha que fazer e pronto, voltar para casa. Mas ele dizia isso rindo, conversando sem ir embora, cercado por filhos e netos, feliz da vida.), nossos indesejados “irmãos” faziam rasantes nas nossas orelhas, e ainda tinham o desplante de assobiar.
Todo mundo tinha pavor dos bichos que, segundo meu vasto conhecimento da área (KKK) deveriam comer apenas fruta, já que nunca morderam (morcegos mordem, bicam, chupam – enfim, o que eles fazem?) ninguém.
Um dia, alguém com a inteligência muitíssimo acima da média das pessoas comuns, encontrou a solução quase impossível: cortou o pé de alguma coisa que abrigava os indesejáveis.
E eles se foram, como aquele rei de Israel, sem deixar de si saudade. Pensando bem, eles acrescentavam um toque divertido às noites de domingo, e dá até para sentir uma ponta de saudade. Puxa, o rei de Israel que não deixou saudade foi ruim MESMO! Pior do que morcego.