OS SETE E OUTROS BABADOS

Dar atenção às crianças foi uma das atitudes mais revolucionárias de Jesus. Naquele tempo, a sociedade não dava a elas o valor que damos hoje. Eram consideradas “mal necessário” – para chegar a ser homem um menino tinha, inevitavelmente, que ser criança primeiro. As meninas, então, não tinham valor nenhum. No entanto, Jesus falou que para entrar no Reino de Deus temos que ser como elas. Fácil falar hoje, quando exaltamos e chegamos até a idolatrar esses pequenos seres.

Que me perdoem os que afirmam que Jesus se referia à inocência das crianças, mas eu discordo totalmente. Não vejo inocência nas crianças. Bebês são os seres mais egoístas da face da Terra. Se você não concorda, atrase 5 minutos a próxima mamada, ou deixe de atender ao primeiro chorinho e verá o berreiro que acontecerá imediatamente. Encaremos o fato: o ser humano nasce extremamente egoísta! Observe crianças brincando. Nada de anjinhos compartilhando os brinquedos, cuidando uns dos outros, sorrindo e vivendo em eterna paz. Elas brigam, se ferem, se ofendem.

E a rebeldia? Quem nunca enfrentou uma criança desobediente que atire a primeira pedra.

Cadê a tão falada inocência?

Eu entendo as palavras de Jesus por outros aspectos. E vejo nas crianças algumas qualidade que, acredito, ele gostaria de ver em mim e em você.

Uma das que mais me toca é a capacidade para perdoar, sendo o exemplo máximo o dos filhos que sofrem abusos físicos e morais graves e, ainda assim, amam os pais. Mas, aqui em nosso mundo mais comum, um dia a gente briga com a criança. Ela pode ficar brava durante algum tempo, mas logo está de bem de novo. Chega a ser constrangedor. Muitas vezes ainda estamos com a consciência pesada por ter agido mal com a criança e ela já chega toda cheia de sorrisos e abraços. Você deixa o bebê chorando um tempo e, quando entra no quarto, ele para de chorar e abre o maior sorriso imediatamente. Isso é perdão.

Outra característica que penso que devemos imitar das crianças é a sinceridade. De novo, quem nunca ficou numa “saia justa” por causa da sinceridade de uma criança que atire a primeira pedra. O exemplo mais forte, para mim, é do meu sobrinho Marcos. Ele vivia dizendo que queria ouvir Deus falar com ele. Um dia, chegou para a mãe e disse:

– Pela primeira vez Jesus falou comigo. Mas o que ele me mandou fazer eu não faço nem a pau!

Muitas vezes falamos a mesma coisa no coração, mas enfeitamos. Até Moisés fez isso, quando Deus o chamou. Só que, como era adulto, inventou uma porção de desculpas. Mas, no fundo, o que ele queria dizer era: “Não vou nem a pau”!

Deus ama sinceridade, porque ele conhece o que está no coração. Jesus bateu de frente com os religiosos, porque sabia que era fachada, que no íntimo havia outras palavras e outros sentimentos. Ele queria que os religiosos fossem sinceros, que falassem para ele o que sentiam de verdade, sem enfeitar, sem rodeios. O mesmo ele quer de nós.

Eu poderia enumerar outras características infantis, mas vou passar ao que me trouxe ao post de hoje. A liberdade para criar, para expressar as novas ideias que passam pela cabeça.

Não é muito comum falarmos na criatividade como característica divina, mas basta olhar em volta com essa perspectiva que ficamos abismados com a variedade da criação. Nenhuma árvore tem duas folhas idênticas. Só isso basta para avaliarmos o tamanho da criatividade divina. E as crianças, quando têm liberdade para se expressar, demonstram essa característica de forma marcante.

A epítome de criança criativa que conheci foi a Clarice. Ela teve tudo a seu favor. Nasceu em uma família de adultos. Até a Cristina, que tinha apenas sete anos quando ela nasceu, era bem amadurecida para a idade. E os adultos, Cristina incluída, incentivavam na Clarice a expressão de sua criatividade.

Mamãe nunca aceitou ter cachorro em apartamento. Mas a Clarice teve: a Lara. Imaginária, mas tão real que, quando fazia cocô embaixo da mesa, Clarice tinha ânsia de vômito na hora de limpar. A gente tinha que carregar a Lara em determinados momentos. Certo dia, tia Sarah vinha, fingindo que carregava a cadelinha, obedecendo a ordem da Clarice, que perguntou por que ela estava andando daquele jeito.

– Ué, porque estou carregando a Lara.

– Tia, a senhora está imaginando coisas.

Mamãe determinava horários para Clarice assistir televisão. Se ela queria assistir fora de hora, não havia problema. Sentava na frente do aparelho desligado e dava boas risadas com um desenho que ela criou, os Graçalheiros.

E o apartamento-piscina. Como amava nadar, ela sonhava em morar em uma casa com piscina. Isso não acontecia, de modo que ela resolveu o problema com a criatividade: transformou nosso apartamento em piscina. Todos nadávamos pela casa, girando os braços. Uns “nadavam” de peito, outros vinham nadando de costas. Lembro bem de meu primo Toninho inventando novos “estilos” para nadar na piscina da Clarice.

Mas o ponto de glória da criatividade dela foram os Sete. E foram eles que levaram a toda essa história de hoje. Ontem, ela postou no Facebook uma foto de quatro bonequinhas em uma cadeira. E eu lembrei imediatamente dos Sete.

Eram sete órfãos. Uma tragédia. Pai e mãe mortos. Os nomes: Mônica, Magali, Cebolinha, Franjinha, Pomar, Júnior e o outro eu sempre esqueço. Que tia mais relapsa!

Ela cuidava dos Sete com um carinho invejável. Eles também gostavam de assistir os Graçalheiros. Se ela estivesse sentada à frente da TV e alguém quisesse sentar do lado dela, logo ouvia:

– Aí não! Cuidado com os Sete!

Às refeições, a cabeceira da mesa era reservada para eles. Numa das necessárias “podadas” à fúria imaginária dela, estabelecemos que todos comeriam num prato só, porque ela queria colocar sete pratos. Mas o pratinho deles ficava sempre lá. Todos sentadinhos numa cadeira só (como as bonequinhas de ontem).

Entrar no carro era um parto com fórceps. Para a Clarice entrar no banco de trás, eu virava meu banco, e aí ela determinava:

– Primeiro os Sete!

E eu ia colocando um por um, enquanto ela falava os nomes.

Não sei até quando eles viveram. Mas sei que foram parte importante da nossa vida. Tudo isso é muito engraçado, gostamos de recordar, mas podemos ver, na criatividade dela, uma característica divina. Infelizmente, muitas crianças tão criativas quanto ela não encontram ambiente receptivo. São ridicularizadas, criticadas, e acabam abafando esse lado.

Diante das “invenções” das crianças, precisamos lembrar que Jesus nos mandou ser como elas. Temos que inventar também. Dar asas à imaginação que ele nos deu, permitir a nós mesmos a delícia de criar, de experimentar coisas novas.

Nos ambientes em que a Clarice circula, quando ela diz que está tendo umas ideias, as pessoas tremem. Porque ela continua tendo ideias fantásticas e revolucionárias. Fico feliz por ter participado do processo de formação dela, sem tolher essa alegria de criar que o próprio Deus colocou nela.

Mas eu garanto que de inocente ela não tinha nada!!!!!!!!

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ESTE MUNDO TENEBROSO

Meu final de semana não foi dos melhores. No sábado, fiquei sabendo de uma notícia muito triste, que envolve pessoas muito queridas e não vou entrar em detalhes. Mas sábado e domingo transcorreram sob a sombra do acontecimento. Não foi aquele fim de semana borbulhante que costumo ter.

Domingo à noite, assisti o Oscar, como faço todos os anos, fiz a mudança sugerida pelo meu filho, do blogger para o WordPress, e dormi tranquila.

Mas, ontem de manhã, uma notícia terrível jogou mais lenha na fogueira de minhas emoções já abaladas, e, sobre isso eu vou entrar em detalhes, pois é de domínio público. O fato foi o assassinato do bispo Robinson Cavalcanti e de sua esposa, pelo próprio filho.

Eu fiquei simplesmente pasma. Não acreditava. Assisti um pequeno vídeo com a notícia transmitida pela televisão em Recife, e chorei ao ver tirarem o corpo do bispo de sua casa. Carregado, dentro daqueles plásticos. Levado por policiais. Final degradante para uma vida brilhante.

Diante de uma tragédia tão horrorosa, eu fico sem saber o que pensar. 

Todas as notícias fazem questão de dizer: o filho “adotivo”. Uma indicação que que, talvez, por isso, ele tenha feito o que fez. E eu lembro de um comentário muito interessante do pr. Caio Fábio. Ele dizia que tanto filhos “genéticos” quanto adotados têm a mesma chance de causar problemas. No entanto, quando é adotado, as pessoas tendem a dizer que é por isso. Nunca ninguém fala que o problema é por causa da genética. Tanto faz que tipo de filho era. Ele entrou em casa e matou os pais. Pior fez a Suzanne que não era adotada e que planejou tudo. O filho do bispo Robinson agiu no calor do momento, estava descontrolado, tomado por drogas e bebida.

Mas o triste é pensar que um homem (não posso falar da esposa, eu nem sabia o nome dela) que fez tanto, por tanta gente, não conseguiu o resgate de seu próprio filho. Com certeza, sofria horrivelmente com isso. 

O bispo tinha uma das mentes mais equilibradas de nosso tempo. Sabia colocar em proporção religião, espiritualidade e política. Respeitava o ser humano integral. Diante do que aconteceu com ele, só me resta pensar que ninguém está imune às desgraças deste mundo tenebroso.

Como drogas e bebida encontraram caminho até dentro da casa do bispo? Foi culpa dele? Da esposa? Não penso assim. Não aceito que as tragédias sejam um monte de culpas que devemos distribuir entre os participantes. Todos erramos na criação dos filhos – adotados e não-adotados. Mas todos acertamos, também. 

Estamos inseridos em um mundo perverso. Creio, como o bispo também cria, na existência de um mundo espiritual, que influencia o mundo que vemos. Creio na existência de um ser maligno que tenta nos aprisionar de todas as formas. Acredito que absolutamente todo o mal deste mundo deriva deste ser maligno. Isso não quer dizer que o assassino não é responsável por seus atos. Cada um tem direito de escolher de que lado vai viver. Infelizmente, o filho de um homem que levou muitos a escolherem o lado do bem, preferiu escolher o do mal. E, com isso, pôs fim a uma vida que fará muita falta entre os que levam a sério a vida cristã.

Triste, muito triste. E vamos em frente, vivendo com alegria, celebrando vitórias, sempre que possível, porque vivemos em um mundo tenebroso.