Ainda em clima de Natal. Minha avó protestaria. Dedicadíssima ao estudo da Bíblia, posso até ouvir os alertas dela:
– A Bíblia não fala que eram três homens. Três foram os presentes: ouro, incenso e mirra.
– Não tem nada dizendo que eram reis. Como os presentes eram valiosos, a tradição diz que eram reis. Mas isso não está na Bíblia.
Aprendi o que vovó me ensinou. Fui verificar nos evangelhos e vi que ela estava certa como sempre. Ainda assim, quero escrever sobre três reis magos que trazem presentes preciosos não para o bebê Jesus, mas para toda minha família.
Os presentes que eles trazem não podem ser avaliados em termos monetários, são valiosos demais para se encaixarem em avaliações temporais. O valor é para a eternidade.
Dizem que um dos reis magos era negro. O primeiro dos nossos reis magos chama a si mesmo de “negão”. Nem acho que a pele dele seja tão escura, mas é assim que ele se classifica. Para mim tanto faz ele ser branco azedo ou negro piche. Na verdade, eu sou muito alheia ao tema cor de pele e não costumo nem notar de que cor é uma pessoa. (A não ser para ter inveja das que não são branquelas como eu.) Bem, mas temos nosso rei mago negro. O dotô, o Jezreel. É o ouro. Não há como contar o número de vezes que ele cuidou de nosso “bebê Jesus” de 86 anos. Quem sabe a que medicamento ele é alérgico? Jezreel. Quem vai cuidar da boca toda ferida por causa de reação ao remédio? Jezreel. Quem vai tratar a infecção urinária? Jezreel. Quem vai olhar primeiro os resultados (positivos) da biópsia de câncer? Pra quem a gente liga para saber se “estreitamento do canal urinário” é alguma coisa séria? Bem… já deu para entender. Deve existir algum prêmio para o pediatra com paciente mais idoso. Ele vai ganhar. Esse rei mago não chega só no Natal. Vem a qualquer momento e deposita em nosso presépio seu presente que acalma nosso coração e, principalmente, o coração de seu “pacientezinho”.
O segundo rei mago, o que traz o incenso (sei lá por que decidi que ele vai oferecer o incenso) é o Enéas. Devolveu ao meu pai uma das coisas que ele mais gosta de fazer: COMER BEM, DE TUDO! Desde setembro, quando Enéas terminou de refazer todos os dentes, papai já engordou mais de quatro quilos. Cada vez que eu o vejo se deliciando com um bife ou um sanduíche, sinto gratidão a Deus pela vida do Enéas. Pensa num rei mago que não se deu conta de que era rei. Como o consultório dele fica no sub-solo e não há rampa, além de tratar dos dentes do bebê Jesusléo, ele e um de seus funcionários carregavam a cadeira de rodas escada acima e abaixo para cada consulta. No dia da cirurgia mais radical, depois de passar quase cinco horas trabalhando intensamente na boca do papai, de ser mordido por um bebê Jesus meio violento que estava sedado (eu e mamãe ouvíamos, lá da sala de espera, o rei pedir: “Abre a boca, seu Biléo! Abra a boca, seu Biléo”), Enéas carregou a cadeira até o estacionamento. Ao colocar o papai no chão, deu um beijo na cabeça dele. Só um rei para ter uma atitude dessa! Rei de verdade, rei de coração. E que obra de arte ele operou! Ninguém diz que aqueles não são os dentes de verdade do papai. Bem, trabalho de rei é de qualidade elevadíssima!
O terceiro rei… Ah, o terceiro rei… Edgar. Resta a ele trazer a mirra. Na marra. Nos últimos dias, se preocupou. O cuidado dele é constante. Também, é o rei ortopedista, coitado. Com um bebê Jesus que tem as articulações todas comidas de artrose, o cuidado do rei ortopedista é o mais presente. Já trocou três das articulações do bebê. E esta última acabou em complicações. Não sei se me preocupo com o rei ou com o bebê. A cada dia, Edgar chega ao quarto do hospital com a mirra que alivia a dor do corpo e a da alma. A simples presença dele faz papai melhorar. Basta dizer que o Edgar vai chegar que ele já se anima. Sabe que vai receber mirra de presente. Algo de valor. Mesmo que, nos últimos dias, os curativos sejam meio doloridos, a presença do rei Edgar anima o ambiente. Quando ele sai, deixa um bebê Jesusléo bem mais animado, bem mais seguro de sua recuperação.
Estou brincando com essa história de bebê, de reis, mas o fato é que sou imensamente grata a Deus pela existência desses três homens, três profissionais competentes e dedicados que trabalham com amor para amenizar o sofrimento que a artrose e o reumatismo causam no meu pai de saúde perfeita. Sou grata por cada ato de bondade, que vale tanto quanto ouro, incenso e mirra. Minha oração a Deus é que cada um seja recompensado com abundância por toda bondade e dedicação.