MARIA, MARIA…

Desde minha estreia como usuária de metrô, que contei no post Promovida a Povo, que compartilhei ontem, percorri um caminho interessante. Hoje sou feliz proprietária de um cartão fidelidade do metrô. (Sei lá como se chama.) A gente coloca uma quantia no cartão, vai usando, quando está acabando coloca mais.

Um dos aspectos que mais me agrada nessa minha volta à cidade é ver gente, andar na rua, fazer coisas só porque estou passando na porta. Aconteceu assim na semana passada.

Fui fazer uns exames no Hospital Oftalmológico. Era de manhã, então o Sérgio me deixou lá na ida para o serviço e voltei de metrô para casa.

Ao sair do HOB, lembrei-me de que tinha que passar na loja que vende material para fazer bijuterias, porque tenho que fazer uma pulseira que me foi encomendada. Era meio longe, mas eu gosto de andar, então segui pela L2.

Durante toda a espera no hospital, entre um exame e outro, eu estava lendo um livro, e parei um ponto bem interessante. Pensando na história enquanto andava, deparei-me com um McDonald’s. Oba! Capuccino e um pouquinho mais de leitura. Assim foi. Nem sei quanto tempo fiquei lá, só sei que avancei bastante na leitura. Satisfeita, segui meu caminho. Cheguei à loja, comprei o material necessário e continuei a caminhada.

A estação em que eu ia embarcar fica próxima a uma igreja, e decidi ir até lá orar um pouco. Deu vontade, simples assim, de conversar um pouco com Deus dentro do templo. Andava tranquila, como Chapeuzinho Vermelho na mata (antes do lobo) quando vi uma cena que me cortou o coração: uma mulher dormindo no chão.

Todas as vezes que vejo uma pessoa dormindo na rua fico arrasada. Não foi para isso que Deus a criou! Passei por ela, olhando bem, orando por ela, que abriu os olhos e me fitou. Já estava bem perto da igreja e continuei rumo ao meu destino, mas algo se moveu dentro de mim. Não fazia o menor sentido ir orar em um templo deixando aquela mulher jogada no chão. Voltei e me aproximei dela, que se apoiou no braço assim que me viu.

– Posso me sentar aqui? – perguntei.

– Se for para me humilhar, não.

Meu coração doeu. Tão acostumada com humilhação, ela só espera de seus semelhantes esse tipo de atitude!

– De jeito nenhum – respondi. – Eu jamais te humilharia. Quero apenas conversar com você.

Diante disso, ela concordou. Assentei-me ao lado dela, e falei que tinha sentido um amor grande por ela ao passar, que Deus tinha colocado esse amor no meu coração. Ela me olhava com expressão vazia. Acho que estava drogada. Perguntei como se chamava, ela pensou um pouco e respondeu:

– Maria.

Não acredito que seja o nome dela. Acredito que inventou na hora, com medo de mim. Afinal, não sabia quem era aquela doida que sentava na rua para conversar com uma mulher desconhecida. Mas eu falei meu nome de verdade para ela.

Falei que Deus não criou ninguém para dormir no chão e que, caso ela quisesse, eu tentaria encontrar algum lugar que a abrigaria. Ela aceitou e comecei a telefonar para o Henrique, para pedir orientação sobre o que fazer. Ela me perguntou se meu irmão iria até lá buscá-la. Eu falei que sim, que, com certeza ele ia ajudar. Nessa hora ela mudou de ideia. Penso que ficou com medo. Afinal, era uma desconhecida, dizendo que um homem que ela nem imaginava quem era ia aparecer e levá-la para um lugar que ela não sabia onde era. Nem eu, na verdade.

Perguntei várias vezes, enquanto o telefone chamava o Henrique, se ela tinha certeza de que preferia ficar ali. Ela permaneceu inabalável. Não queria. Eu não tinha mais o que fazer por ela. Pedi se podia orar por ela. Aceitou, orei. Dei a ela o pouco dinheiro trocado que tinha. Meu coração chorava por aquela mulher de idade indecifrável devido ao sofrimento e abandono. Indaguei se podia abraçá-la, ela se encolheu e exclamou:

– Mas, moça, eu estou suja!

Sei que a sujeira a que ela se referia não era física. Na realidade, penso que essa pesava menos. Eu falei para ela:

– Somos todos sujos. Eu sou igual a você. A única diferença é Jesus na minha vida.

Depois dei um abraço nela, que não teve coragem de me abraçar também. Dei um beijo no rosto dela. Infelizmente, não havia mais nada a fazer. Levantei-me a contragosto e segui meu caminho. Olhei para trás algumas vezes e vi que ela tinha se deitado de novo.

Todos os dias eu me lembro dela, oro para que Deus a leve até algum lugar de restauração, onde possa reconstruir a vida.

Esse meu encontro com Maria me fez pensar muito. Não apenas nela. Penso também em como vivemos fechados em nosso mundo particular, sem andar pelas ruas, sem ver as Marias e os Joãos que precisam de nós, que sofrem caídos no chão, desprezados, esperando dos outros apenas humilhação.

A Bíblia diz que Jesus andava por toda parte fazendo o bem. Andava. Estava no meio do povo sofredor. Por isso, estendia a mão, perguntava o que eles queriam que fizesse, curava, restaurava. Eu, como seguidora dele, também preciso andar onde as pessoas estão, em vez de me fechar em uma fortaleza.

Depois de deixar Maria, entrei na igreja. Havia uma palestra, para pessoas descasadas. o preletor fazia piadinhas, os presentes riam. Saí. Não tinha o que fazer ali. Minha oração tinha sido o encontro com Maria…

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2 comentários sobre “MARIA, MARIA…

  1. Cláudia, que lindo. Além de escrever muito bem (vc é a minha escritora que conheço pessoalmente preferida – e antes que alguém faça piada, conheço vários), este seu testemunho foi tocante. Que Deus continue a abençoar.

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