Escrevi este post em 15 de abril deste ano. Como quero contar uma história amanhã e preciso de informações que ele transmite, compartilho de novo. Assim você, meu amado leitor, minha amada leitora, vai entender tudinho que vou contar amanhã.
Ao deixar o governo, FHC foi para Paris “com Rute”, como diz ele, sem usar o artigo antes do nome. Recusou escolta e declarou que andariam sem seguranças. Houve um impasse diplomático, já que os países, em geral, não aceitam que ex-presidentes de outros países andem sem escolta em seu território. Muita responsabilidade. FHC e Rute ficaram horas no aeroporto, não arredaram pé enquanto não conseguiram um acordo: eles não veriam nem sombra dos seguranças.
Entrevistado anos depois sobre esse fato, ele disse uma frase que me marcou muito:
– Ao descer a rampa do Planalto, você é promovido a povo.
Goste você ou não do FHC, a ideia é totalmente diferente de tudo que se fala e pensa. Povo á a categoria inferior, aquela de onde saem as pessoas importantes. “Povo” costuma, inclusive, ser um termo depreciativo:
– Não suporto aquele povo!
Mas o ex-presidente coloca o povo em seu devido lugar, de autoridade, de destaque.
Morei 20 anos em um condomínio fechado, de onde só era possível sair de carro. Bem, até dava para sair de ônibus, atravessando um longo trecho de cerrado. Em nosso condomínio, carro era objeto de uso pessoal. Cada habitante de mais de 18 anos tinha o seu.
No final do ano passado, voltei a morar na “cidade”. Dá para ir ao mercado, ao salão, à farmácia, à padaria, etc., a pé. Gostei logo. A mudança aconteceu por motivos alheios à nossa vontade, mas eu já vinha, há algum tempo, querendo voltar para o centro urbano.
Agora, aqui onde moro, no Guará II, tem algo ainda mais especial: uma estação de metrô bem pertinho. Hoje, pela primeira vez, eu me animei a ir até o shopping de metrô. Explico o motivo de tanta demora. Primeiro, estávamos ajeitando a casa. Depois, papai morreu e eu não tinha a mínima vontade de sair, muito menos de metrô e de ir a shopping. O tempo foi passando, e hoje, enfim, eu vivi a experiência de ser promovida a povo.
Sair de carro é muito diferente do que ir a pé até a estação, esperar o metrô, entrar, andar até o shopping no meio de um monte de gente e, na volta, fazer tudo ao inverso.
Assim que cheguei à estação, assentei-me ao lado de uma mulher bem simples, “do povo”. Parecia uma idosa. Puxei prosa, imediatamente. Ela foi me dando informações sobre o funcionamento do metrô. Ela era faxineira, tinha 60 anos, apenas três a mais do que eu, mas parecia uma idosa. E tinha muito a me ensinar ali naquela situação. Me disse para não correr para entrar quando tocar a campainha, porque pode ser perigoso, falou que eu não teria que esperar muito, porque de onde estávamos até onde eu ia era apenas uma estação, qualquer trem serviria. E assim por diante. Ali, eu não era a patroa, a dona Cláudia. Era uma mulher mais jovem do que ela, que estava vivendo uma experiência nova e precisava de orientação.
Achei ótimo não ter que dirigir, tomar cuidado no trânsito, procurar vaga, estacionar carro. Percorri as passarelas que levavam ao meu destino. Acabei o que tinha a fazer por volta das seis horas, e aí é que fui povo mesmo! Muita gente andando, nos dois sentidos: tanto entrando quanto saindo do shopping. Queria comprar um short em uma banca no caminho, mas só tinha pequeno. Conversei com duas ou três vendedoras pelo caminho. Ninguém me chamou de senhora.
O metrô estava cheio. Ainda tendo tonturas por causa da labirintite, agarrei-me bem ao ferro para não cair quando o troço andasse. E vi uma senhorinha que não tinha onde segurar. Dei espaço para ela, que sorriu para mim. Um rapaz com aparência humilde lia a Bíblia, toda anotada, sentado no chão. Um homem de terno lia um livro grosso, com uma capa bonita. Infelizmente, não enxerguei o título. Duas pessoas sentadas à minha frente dormiam. Com certeza, haviam acordado cedo e trabalhado o dia inteiro. E iam percorrer ainda um longo caminho.
Logo chegou minha estação, mas minha promoção a povo ainda não tinha acabado. Assim que saí, atrás de Feira do Guará, começou a chover. Umas gotinhas. Como não me importo de tomar chuva, segui adiante. Acho que não tinha dado nem 20 passos quando todas as nuvens desabaram. Não conseguia me lembrar da última vez em que havia tomado chuva daquele jeito. Joguei o celular dentro da bolsa para não molhar e vim, tranquila, sem correr. Um chuveiro quente me aguardava em casa.
Daniela já tinha chegado do trabalho e rimos por causa da minha situação. Larguei tudo e corri para tomar banho, muito feliz com minha promoção a povo.
Embaixo do chuveiro, lembrei-me da última vez em que havia tomado chuva: em Nova York, na 6a. Avenida, procurando uma joalheria em que comprei minha Pandora. É, povo, mas nem tanto… a gente gosta de frescura também, né?
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