Com cerca de dois anos, Flávia passou por um período em que atacava a Daniela com os dentes. Quando se trata de gêmeos, a situação é um pouco mais simples do que quando lidamos com crianças de idades diferentes, em que uma tem muito mais força do que a outra. De qualquer modo, eu não admitia as mordidas, nem qualquer outro tipo de violência entre os irmãos, e falei para a Flá que todas as vezes ela iria levar uma palmada. (Será que a lei da palmada pune fatos passados há mais de 20 anos? Se punir, estou no sal!)
O problema se agravou: ela não ligava a mínima para a palmada e mordia cada vez mais a irmã. Eu procurava uma solução e não conseguia achar. Não gostava de ficar batendo na Flá. Pensei em mandar a Dani morder de volta. Não servia. Apenas reforçaria um comportamento que eu queria banir de minha família.
Um dia, tive uma ideia um tanto bizarra – confesso que sou uma mãe um tanto bizarra. Chamei a Flá e falei, bem séria:
– De hoje em diante, todas as vezes que você morder a Dani, em vez de bater em você, eu vou te morder. Com força.
(Agora vou para a cadeia, com certeza.)
Resolvi o problema. Ela mordeu. Peguei o bracinho dela e deixei a marca dos meus dentes. Foi o último ataque dos dentinhos nervosos dela. Não mordeu mais a irmã e nunca mordeu nenhuma outra criança.
Lembrei-me disso hoje, por causa dos comentários de meu primo Gustavo sobre a mordida do jogador Suárez. Ele comentou como foi vergonhosa a reação não só do jogador, como também de toda a delegação. Ninguém pediu desculpas, não houve mea culpa. Criticaram a postura da FIFA, disseram que as imagens foram montadas. E, assim, passaram a mão na cabeça de um homem que já fez isso em outra ocasião e, cercado por tanta complacência, provavelmente voltará a agir da mesma forma, ou fará coisa pior. Estão dizendo a ele que ele pode tudo, pelo menos dentro da seleção dele.
Será que a mãe dele teria ajudado se o mordesse quando ele era criança e mordia os coleguinhas na escola ou no parquinho?
Temos outra mordida famosa: a de Mike Tyson na orelha de Evander Holyfield. Essa história sabemos como acabou: carreira encerrada, mais tarde prisão por estupro. Ele achava que podia fazer qualquer coisa e se safar.
E eu me lembrei de outro atleta que cometeu um ato feio durante uma copa: Leonardo e a cotovelada, em 1994. Na época, recordo bem que os outros jogadores e o técnico lamentaram o ocorrido, o próprio jogador declarou ter agido no calor do jogo, que havia errado. E o fato é que ele conseguiu prosseguir com sua carreira. Não é perfeito, mas agiu com honradez depois de cometer um erro.
Não conheço a família do Suárez, não sei em que ambiente foi criado, mas uma coisa fica clara em seus atos: não o ensinaram a assumir seus erros, a admitir quando “pisa na bola”, a tentar corrigir suas falhas. Li, também, que ele sofre de alguma doença que o leva a ser impulsivo demais. E conto a esses uma grande novidade que parece não ter chegado a eles: para isso, há tratamento. Tanto com remédios quanto com terapia. Fingir e negar que aconteceu não vai ajudar em nada o moço.
Espero que apareça, na vida dele, alguém que seja doido o suficiente para dar uma mordida nele e levá-lo a pensar dez vezes antes de repetir o erro. Parece difícil, já que todos que se manifestaram na história (pelo menos o que ouvi) passaram a mão na cabeça dele. “Tadinho, a punição foi severa demais.”
Caramba, foi um adulto mordendo outro adulto! Em cachorro a gente coloca focinheira. Poderia ser uma solução…
Mais um ótimo artigo seu. Concordo com vc, se a criação tivesse sido correta não estaria mordendo os outros. Passar a mão na cabeça e dizer que “os outros q são duros de mais” não vai ajudar nada o rapaz. Talvez ter perdido o contrato com o Barcelona, não poder mais jogar na Copa e com quarentena no clube dele seja a “mordida” que ele está precisando?
Com certeza. Se a gente não “morde”, nossos filhos acabarão levando “mordidas” muito mais doloridas em algum momento da vida.