A casa onde moramos foi um presente de Deus para nós. Literalmente. Não havia dinheiro para construí-la. Não tivemos dinheiro nem para contratar uma empresa para fazer nosso mudança para cá. Nem ao menos um caminhãozinho. Veio tudo na caminhonete do César, trazido pelos homens da família. Muita coisa veio de carro.
Na semana anterior à mudança, comecei a trazer no meu carro as roupas – no cabide mesmo – e os brinquedos das crianças. No sábado, mutirão familiar para trazer as coisas pesadas. Lembro bem do Henrique em pé em cima de uma escada, implicando comigo por causa do excesso de livros (e hoje são MUITOS mais).
Pensa num casal sem grana. Éramos nós.
Chegou a hora de trazer a geladeira. César levou a caminhonete para a garagem do prédio. Ele, Joel e Ribeiro colocaram a supracitada na carroceria. Todos os canos do prédio passam pelo teto da garagem, então havia perigo de bater a geladeira. A partir desse ponto, as narrativas são divergentes.
César diz que falou pro Joel olhar se dava para passar com a geladeira e que o Joel não falou nada.
Joel fala que avisou, mas o César acelerou sem prestar atenção.
A versão do Ribeiro varia de acordo com a pessoa com quem ele quer implicar.
O fato, comprovado, com inúmeras testemunhas, é que a geladeira bateu em um dos canos e ficou com um amassado enorme. Ela já não era das melhores, estava na hora de trocar, mas A GENTE NÃO TINHA DINHEIRO!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Os três chegaram aqui com a geladeira igual à dos Flintstones, toda amassada, cada um acusando os outros pelo estrago. Lembro que olhei, me deu um frio na barriga. Como fazer sem geladeira? Será que ela ia gelar alguma coisa com um estrago daqueles? Não podíamos comprar outra.
Como sempre, diante de uma situação complicada assim, eu caí na gargalhada. Ri de chorar. Ainda bem que não fiquei brava, porque a bichinha funcionou até a gente poder comprar outra, e ainda ficou um tempo na churrasqueira depois disso.
Mas a mudança prosseguiu. Vieram os móveis. Já no fim da tarde, Ribeiro chegou com uma cara estranha:
– Aconteceu um acidente.
Ele foi fazer um retorno, a estante que ficava na sala (que também não era lá grande coisa) caiu da carroceria, quebrou no meio, ficou toda esfolada, tinha uma gaveta cheia de CDs, que se espalharam pela pista. O coitado catou tudo, inclusive as capas dos CDs. Era o lugar de colocar a televisão. A GENTE NÃO TINHA DINHEIRO para comprar outra!!!!!! O Ribeiro segurava a parte de cima, esperando a bronca. E eu… claro, caí na gargalhada.
O que mais eu poderia fazer? A família separou o sábado para nos ajudar. Ninguém é profissional de mudança. Não ganharam nem ao menos um lanche. Eu que não ia brigar com eles. Como a geladeira, a estante ficou algum tempo na sala. Eu combinei com o Ribeiro que, se houvesse alguma festa com gente estranha, ele ficaria na frente da estante, para esconder as feridas da pobre. Mas a gente passou uma cera, acho que ela cicatrizou.
E, como nem eu nem o Sérgio fizemos disso cavalo de batalha, a história da geladeira e da estante é, até hoje, motivo de risada na família.
Na verdade, nossa reação é que faz a situação. Poderíamos ter visto nos dois casos problemas muito sérios, mas, felizmente, vimos o lado cômico e, com isso, fizemos a vida mais fácil.