MY FAVORITE THINGS – CARRO – VEMAGUETE VERDE

Quase não colocava a Vemaguete nas coisas prediletas. Afinal, prefiro mil vezes o carro confortável que tenho hoje, nem que seja apenas pelo ar condicionado. No entanto, a importância dela em minha vida a qualifica.
Na verdade, esse item não fazia parte da lista do livro, mas eu pensei nisso ontem, devido a um dos diágolos deliciosos que mantive com os primos através do Facebook. Toy postou uma foto do Chiclete Mini, e disse para a gente se lembrar de coisas que existiam em nossa infância e desapareceram. Samuca se lembrou: DKW. E aí eu me lembrei dela, a Vamaguete Verde.
Uma guerreira. Lembro quando virou a quilometragem dos 100.000km e voltou a ser zero! Não há como saber todos os lugares aonde ela nos levou, mas as viagens a Belo Horizonte são inesquecíveis.
Viemos para Brasília em 1962. Deixamos a família em Belo Horizonte. Tio Amílcar e tio Bide também vieram com a família, de modo que éramos 18 parentes aqui. Mas acho que lá tinha uns mil. Pelo menos é o que parecia, por causa da saudade que sentíamos.
Lembro bem que a gente passava TODOS os feriados em Belo Horizonte. E íamos na valente Vemaguete. Como tio Amílcar e tia Nair tinham seis filhos, o carro deles já tinha lotação completa, mas o nosso era comunitário.
Às vezes, ao sair para o Banco, na manhã de sexta-feira, papai chamava mamãe para pegar a estrada à noite, só para ficar lá sábado e voltar domingo depois do almoço. Muito obrigada, mamãe, papai, tio Bide e tia Sarah, que me ensinaram, desde aquela época, a viajar com um convite de última hora. Enquanto os homens trabalhavam no Banco, as mulheres corriam em casa para arrumar as malas da garotada e o lanche do caminho.
A Vemaguete tinha um cheiro característico: gasolina, misturada com suor de menino, ovo cozido e maçã. Uma tortura para mim, já que eu enjoava o caminho todo. Além disso, tinha um barulho só dela, que ainda ecoa em meus ouvidos, quando eu paro e tento lembrar:
– UUUUUUUUUUUU, puff, puff, UUUUUUUUUU.
O puff era seguido da primeira exclamação de alerta:
– Ih, falhou! Será bobina?
Isso acontecia, invariavelmente, na primeira “subida”, pouco mais do que uma rampa, sobre a linha do trem, perto do Nucleo Bandeirante, bem perto do lugar onde moro hoje. Não tínhamos rodado nem 20 dos 750km que nos esperavam. Papai e tio Bide entendiam tudo de mecânica. Quando a coitada não aguentava mais e parava, eles abriam o capô e faziam o que até hoje todos os homens fazem, e que nunca vi adiantar: apertavam todos os fios à vista.
Ainda não descrevi o interior do carro. No banco da frente, o motorista e sua esposa. No de trás, os dois outros adultos e uma das crianças, em geral o Victor (era o maior). Além deles, a caixa de isopor com a comidaria e um garrafão de plástico verde com uns 100 litros de água. No bagageiro, amontoados, Toy, Cláudio, euzinha, Henrique e Adelchi. Ai de mim, como sofria! Daqueles meninos todos, e só o Cláudio me defendia (sou eternamente grata a ele por isso). Toy me chamava de minhoquinha e eu ficava irada. (Hoje, gostaria muito de me qualificar para ser minhoquinha. Ai, como sofro!) Henrique era… bem, irmão mais novo, não há necessidade de explicações. E o Adelchi era como um gêmeo do Henrique. Um inventava e o outro imitava. Levavam bronca, aí o que tinha imitado inventava, e o inventor da primeira imitava. Assim iam até Belo Horizonte, and beyond (para usar a expressão do Buzz Lightyear).
Como a Vemaguete estragava toda vez, as viagens duravam pelo menos 12 horas. E toca sanduíche, ovo e maçã.
Tia Sarah e mamãe contam que uma noite tentaram encontrar todas as “peças” de cada um de nós, mas faltou um braço do Cláudio, que nunca acharam. Como na manhã seguinte estava grudado nele, não se preocuparam com isso.
Era um desconforto total. No entanto, como éramos felizes ali dentro daquela Vemaguete Verde! Não posso dizer que gostaria de voltar, que naquele tempo era melhor. Gosto mais de hoje. Prefiro o conforto. Mas nós fomos muito felizes no carrinho valente.
Nós, crianças, aprendemos a rir das adversidades, porque quando a coisa ficava complicada (como no dia em que o farol estragou e tio Bide foi no capô iluminando a estrada com uma lanterna e gritando: “Mais para a direita, agora para a esquerda! Vai reto! Você vai sair da estrada!”) os adultos riam muito e a gente acompanhava. Na hora de trocar o pneu (furava sempre, claro), era tudo no meio de conversa alegre e gargalhadas. Aprendemos também a conviver em paz naquele espaço apertado. Como já falei, aprendi a viajar com um aviso apenas poucas horas antes. Aprendemos a acolher o imprevisto, a encontrar soluções para situações inesperadas.
Acima de tudo, dentro daquela Vemaguete Verde, em meio a implicâncias, risadas, brigas, conversas e muito mais, aprendemos a AMAR!!!!!!

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