Não sou muito amiga de poesia. Não leio nem cito Fernando Pessoa… As poesias que amo foram escritas por pessoas próximas a mim, falam pessoalmente, e não em tese, ao meu coração.
Na hora de escolher a predileta, a obra do meu avô João Ziller é que se levanta. Ele escreveu para mim e para meus primos:
A MEUS NETOS
Filii tui sicut novellae olivarum
Vós, filhos do Brasil, olentes rosas,
vós, lírios perfumados de candura,
que surgis – alvoradas radiosas –
encanto das belezas da natura,
ouvi meu salmo vesperal nestora,
dedilhado em minh’harpa encanecida,
que, em meu outono, é cântico de aurora,
saudando o alvorecer de vossa vida.
Minha estrela, tombando no ocidente,
a luz não perderá no seu recanto,
se receber de longe o foco ardente
que em vossos meigos olhos brilha tanto.
Tanger não posso mais a amada lira
que tantas vezes dedilhei sonhando;
tangei-a vós, a quem amor inspira,
e, do sepulcro, me ouvireis cantando.
Esse poema nos acompanha. Sabemos de cor o final. Apreciamos, valorizamos a missão que vovô nos deu: continuar a tanger a lira que ele dedilhou sonhando.
Ele queria que seus descendentes prosseguissem pela vida fazendo o que ele fez. Viveu plenamente. Enfrentou lutas imensas, construiu uma família bonita, unida. Recomeçou inúmeras vezes. Foi repetidamente derrubado, mas sempre se levantava de novo. Sua última parada, Belo Horizonte. Lá, terminou seus dias respeitado, conhecido como “Professor”. Um italiano que dava aulas de português e história do Brasil.
Vovô veio da Itália no início do século XX. Era padre, mas largou a batina. Se, hoje, essa decisão é difícil, pode-se imaginar o que significou há 100 anos. A família italiana o baniu. Ele só tinha a esposa e os filhos nascidos no Brasil. E nós, os netos. E nos deu a missão de continuar a viver inconformados com injustiças, fiéis a nosso valores, por mais alto que seja o preço a pagar.
Não é missão fácil tanger a lira como ele. Implica em sacrifícios e lutas. Mas implica, também, em ter sucesso. Não o sucesso contado em dinheiro, mas o verdadeiro. Aquele que leva os netos, quase 50 anos após sua morte, a continuar olhando seu exemplo de vida e dele retirando diretrizes para nossa vida.
Não sei se sou capaz de tanger essa lira, mas sei que há muitas conquistas entre os netos do Professor Ziller. Sempre, nesse momentos de vitória, nos lembramos de nosso avô, e, podemos dizer assim, ouvimos seu cântico, mesmo estando ele morto há tantos anos.